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O golpe contra o Supremo (por João Bosco Rabello)

De todas, essa é a chantagem a que o governo não poderia, sob nenhum pretexto, ceder

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Hugo Barreto/Metrópoles
Congresso nacional visto pelo patio do STF manifestações desoneração - Metrópoles
1 de 1 Congresso nacional visto pelo patio do STF manifestações desoneração - Metrópoles - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Ao dar seu voto favorável à PEC que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal, o senador Jacques Wagner reconheceu no microfone que sua condição pessoal e a de líder “são indissociáveis”. Desnudou ali a dubiedade premeditada do governo em matéria cujo timing denuncia o revanchismo bolsonarista.

Wagner foi Lula – e a bancada do PT, mesmo dando seu voto contrário, também. A PEC só andou pela espúria combinação de revanchismo bolsonarista com o oportunismo político dos senadores Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre empenhados em reproduzir a dobradinha que lhes garante o revezamento na presidência do Senado.

Foi uma grosseira peça política para iludir menores de 10 anos – e olhe lá! A proposta de reforma do Supremo tem a digital de Bolsonaro, que atribui corretamente à Corte a frustração de seu projeto golpista. O argumento dos cínicos é o de que o debate não começou agora.

De fato, ele é mais antigo, sem nunca ter prosperado. Seu último estímulo data de 2019, em sincronia com o início do mandato de Bolsonaro, cuja pauta prioritária foi contestar a Constituição de 88 por meio de uma campanha sem precedentes contra a Suprema Corte, que culminou com a invasão e depredação do prédio do tribunal.

Antes de entrar em campo, portanto, Bolsonaro já patrocinava o enfraquecimento do STF. Os operadores da PEC são seus fiéis discípulos. Eles têm identidade e domicílio político no Senado, somam 30 senadores, e tentam por meio da reforma “urgente” remover seu principal obstáculo.

A reforma não aprimora nada, apenas subtrai poder ao Supremo, interfere na sua dinâmica interna, e por isso se traduz pela continuidade do golpe.

A justificativa por trás da decisão de Jacques Wagner é a da necessidade de garantir o apoio do Senado às matérias econômicas de interesse do governo em tramitação no Congresso. Ninguém desconhece que Pacheco retirou a fiança a Lula, agora exercida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, numa inversão de papéis que certamente também obedece a um script dos comandos das duas Casas.

De todas, essa é a chantagem a que o governo não poderia, sob nenhum pretexto, ceder. A garantia da ordem democrática, em todos os seus capítulos, se deve ao STF – e até isso Wagner ao justificar seu voto pretendeu negar, fazendo-a isonômica ao Legislativo. Logo o Legislativo que governou com Bolsonaro.

Lula deve ao STF não só o seu retorno ao Palácio do Planalto, com o resgate legítimo de sua elegibilidade, como a sua continuidade no cargo, ameaçado pela trama golpista. E, por extensão, uma dívida do país. Foram quatro anos de resistência ao golpe que tinha a interpretação da Constituição como única arma de defesa.

Foi o exercício, a um só tempo, da autoridade do Judiciário e de seu poder moderador, que as Forças Armadas continuam empenhadas em usurpar.

Ao exercer seu papel, o STF acumulou conscientemente um passivo político que não julgava ter que pagar a Lula, mas à democracia. O período de Bolsonaro ainda não é letra morta, a conspiração continua, as investigações do 8 de janeiro também, mas o presidente do Senado deu seu aval à PEC, indiferente às ponderações sobre seu desserviço à democracia.

O fez – e pior, com a omissão ativa do governo-, antes que o tempo desbotasse a fotografia histórica dos Três Poderes reunidos na praça de mesmo nome, em cenário de ruínas, no que parecia uma definitiva demonstração de unidade pela democracia.

O Senado abriu a porta, a Câmara deve mantê-la fechada, mas destrancada. Afinal, em tempos de vale tudo, sabe-se lá em que momento precisarão ameaçar o Judiciário outra vez.

O STF, passadas as primeiras reações ao episódio, deve fechar-se em copas, reforçar a unidade interna e traçar o percurso para o resto da viagem que ainda não acabou, mas ficou mais longa.

Vale lembrar que as investigações do golpe já chegaram a parlamentares de quase todas as legendas. É questão de tempo para que se materializem suas consequências. O que talvez explique, em parte, o DNA da PEC.

É o que se depreende da reação, em uma só voz, de seu presidente, Luís Roberto Barroso, e do decano, Gilmar Mendes. Que assim como o enfrentamento do golpe por Alexandre de Moraes, não representam um comportamento monocrático.

Lula não deveria ter pago esse preço. Está agora nas mãos de Lira e Alcolumbre, líderes de um Legislativo que se julga poderoso o suficiente para depor ministros da Suprema Corte – que dirá o governo da hora.

O Senado mostrou que o Legislativo quer mais que afirmar-se como poder político sobre o Executivo, pelo controle do Orçamento. Quer mesmo o poder absoluto, como lhe confere outra PEC, guardada na gaveta de Lira, a permitir simplesmente que o Legislativo revogue quaisquer decisões da Suprema Corte.

O governo não quis sair derrotado da votação, mas a guerra é mais que uma batalha. Como demonstrou o STF na paciente e metódica contenção de Bolsonaro.

 

João Bosco Rabello é comentarista e colunista do Canal MyNews (https://www.youtube.com/@CanalMyNews), e publica seus artigos no https://canalmynews.com.br/

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