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O exemplo de Mandela (por André Gustavo)

Resta saber se o tempo de prisão produziu em Lula efeito semelhante ao ocorrido com Nelson Mandela

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Candidato a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante a Convenção Nacional do PSB em Brasília
1 de 1 Candidato a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante a Convenção Nacional do PSB em Brasília - Foto: Gustavo Moreno/Metrópoles

O desastre do governo Dilma Rousseff, aliado às descobertas realizadas pela operação lava jato, desmontaram a estrutura do Partido dos Trabalhadores em todo o país e levaram Lula para a prisão. Dezenas de empresários também foram parar atrás das grades. A consequência política veio rapidamente: repúdio violento, formal e arrasador da sociedade brasileira a tudo que lembrasse o petismo. Bolsonaro foi eleito sem comparecer a nenhum debate, sem dizer o que pretendia, porque bastava se manifestar contra o que chamava de velha política para recolher pilhas de votos.

Votar a favor de Bolsonaro significava votar contra Lula. O antipetismo chegou ao seu ponto mais elevado. Jair Bolsonaro venceu bem, sem maiores problemas, porém acreditou no seu discurso de ódio às elites, aos partidos, as esquerdas, aos jornais. Decidiu governar sozinho, sem apoios. Em primeiro lugar rejeitou todos aqueles que o auxiliaram diretamente na eleição. Seus antigos companheiros foram demitidos, um a um, sem nenhuma hesitação. Depois cercou o vice-presidente Hamilton Mourão e o relegou a umas poucas salas no anexo do Palácio do Planalto, sem apoio, sem nenhuma missão relevante, sem acesso às decisões de governo. E afirmou seu estilo: quem manda aqui sou eu.

No segundo momento foi para as ruas chamar o golpe. Fez movimentos na frente do Palácio do Planalto, discursou diante do quartel general do Exército, andou a cavalo na praça dos Três Poderes, sobrevoou a multidão de helicóptero, fez comícios em diversos locais do Brasil e atacou os ministros do Supremo Tribunal Federal, que condenavam as fake News. Promoveu motociatas em várias cidades brasileiras. Ao que parece Bolsonaro trabalhou pouco, mas se divertiu muito.

No plano internacional, inventou um inacreditável ministro de Relações Exteriores que fez parte de seu discurso de posse em tupi-guarani. Rejeitava a globalização, manifestava ódio aos comunistas, cortou relações com a Venezuela, apoiou os falcões norte-americanos na tentativa de derrubar o governo de Caracas. Essa figura deixou o governo, mas legou um rastro de besteiras monumentais. Criticou os chineses, levou o presidente a cometer deselegâncias com o presidente da França, criou embaraços com o governo democrata dos Estados Unidos, criticou os argentinos, os chilenos, enfim abriu uma coleção de desafetos em todo o mundo. Na véspera da invasão da Ucrânia, Bolsonaro visitou Moscou e cumprimentou Vladimir Putin.

O grupo bolsonarista também não gosta de pesquisa, nem da ciência. O presidente chamou a pandemia de gripezinha, jamais visitou um hospital ou manifestou pesar pela morte dos brasileiros vítimas da covid 19. Ao contrário, receitou remédios ineficazes e levou seu general Ministro da Saúde a cometer erros abissais, o maior deles na cidade de Manaus. A coleção de desastres é longa e seria tedioso relacionar todos. A verdade é que o presidente, de repente, percebeu que seu mandato tinha data para terminar. Então se entregou de corpo e alma ao centrão, abdicou de governar e passou a fazer a campanha pela sua reeleição, que havia prometido não disputar.

Enfim, chegou a hora da verdade. A campanha começa nesta semana porque todos os partidos foram obrigados a registrar suas candidaturas na justiça eleitoral. O prazo das negociações terminou. As traições já são conhecidas. Mais de setecentos mil pessoas assinaram o manifesto em defesa da democracia produzido pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bolsonaro qualificou o documento de “cartinha”. Aliás, cancelou seu almoço na poderosa Fiesp quando deveria falar aos maiores empresários brasileiros sobre seus planos de governo. Como eles não existem, cancelou o encontro. Voltou atrás. Decidiu conversar com os homens do dinheiro para reduzir seu isolamento.

Na última eleição, os brasileiros votaram majoritariamente em Bolsonaro com objetivo de tirar os petistas do poder. Agora, ao que parece, pode ocorrer o contrário. Votar em Lula para tirar Bolsonaro. É o retrato da falência da política brasileira. A terceira via naufragou quando os líderes do PSDB por interesses pessoais destruíram o partido para evitar a candidatura de João Doria. O ex-juiz Sérgio Moro demonstrou ser noviço em política. A aventura da brilhante senadora Simone Tebet é bonita, mas não tem o poder de se colocar entre os extremos. Ciro Gomes tem interessante plano de governo, mas não consegue sair dos 5% de aprovação do eleitor.

Resta saber se o tempo de prisão produziu em Lula efeito semelhante ao ocorrido com Nelson Mandela. O líder sul-africano saiu da cadeia disposto a desarmar os espíritos. Rejeitou os extremos e refundou a democracia no país.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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