Não vence e nem convence (por João Bosco Rabello)
O que já passa do ponto de tolerância é a dubiedade da postura militar no governo Bolsonaro
atualizado
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No âmbito esportivo, para se garantir competitividade, não bastam vitórias pontuais – é preciso regularidade, eficiência e desempenho de longo prazo para conquistar a confiança de críticos e torcidas. De onde surgiu a máxima de que um time que se pretende bom, precisa “vencer e convencer”.
No futebol, essa premissa foi inspirada por equipes que adotavam a estratégia de trocar o risco do jogo estético pela produtividade traduzida em pontos, mesmo os de empates, o que produziu outra expressão peculiar – o de jogar pela tabela. Quando dava certo, venciam sem convencer.
A memória do singelo ditado surge na esteira do mais recente episódio protagonizado pelo ministro da Defesa, general Braga Neto, que não vence e nem convence no figurino de advogado da Constituição, que vestiu para desmentir ameaças às eleições de 2022, a ele atribuídas por fonte parlamentar da base do governo.
Não vence porque é uma ameaça fake, conforme pontuou o vice-presidente Hamilton Mourão, entre tantas outras autoridades constituídas. Não convence, porque repete ameaça do presidente Bolsonaro, a quem serve antes do Estado, e não por acaso espectador do desmentido em que o ministro da Defesa reafirma sua visão das Forças Armadas como poder moderador.
O que já passa do ponto de tolerância é a dubiedade da postura militar no governo Bolsonaro, intensificada desde a demissão do antecessor de Braga Neto e dos três comandantes das forças que faziam contraponto ao script subversivo do presidente da República.
Por impor limites a Bolsonaro foram demitidos e substituídos por um quarteto mais realista que o rei por absorver sua oratória ameaçadora.
Por ora, Braga Neto conseguiu apenas um gol contra – a derrota antecipada do voto impresso no Congresso Nacional, segundo ele o fórum legítimo para decidir a questão – seja lá o prazo de validade dessa declaração.
Há homens públicos que se não acertam por virtude, o acabam fazendo por preocupação com a biografia. O ministro da Defesa não parece figurar nem entre esses. Sua preocupação sugere ser estritamente com a biografia militar – e pelo pior viés, o da missão cumprida que distinguiu, pelos erros, o companheiro de farda e patente, Eduardo Pazuello.
A demissão do general Luís Ramos, que a comparou a um atropelamento, deve servir de alerta aos militares para o conceito particular de missão do presidente da República, híbrido de militar e político, polêmico e bélico nos dois papéis, que se movimenta sem amparo nos ritos institucionais e em permanente contestação aos princípios constitucionais.
Se não encontrou limites nas sucessivas decisões e recomendações – até mesmo advertências – dos outros poderes da República, Bolsonaro acabou rendido pelo centrão confirmando como blefe o discurso de ruptura e como farsa o discurso de campanha.
A maior garantia à democracia brasileira, com todos os senões que carrega, é a importância do país no mundo globalizado. É o que o difere de outros do hemisfério sul que ainda conseguem sustentar regimes ditatoriais, não sem a hipocrisia de o vestirem de democracia.
Outro obstáculo é a inviabilidade do controle das informações, essencial a ditaduras. Este, como se sabe, não é possível desde o advento da informática que evoluiu para a era da comunicação tecnológica em dimensão global, de que hoje cada um é ator e usuário, numa simbiose irreversível.
Como a atestar o anacronismo de seus métodos, militares como o general Braga Neto, expõem as Forças Armadas ao ridículo quando tornam sigilosos, por um século, tudo o que se referir ao perdão dado à transgressão do general Eduardo Pazuello.
As informações do caso não têm importância estratégica e interesse público que justifiquem o segredo – muito menos por prazo tão estendido. Parece – e é – blindagem destinada a preservar poucos em detrimento do respeito aos próprios militares e à sociedade.
O provável é que a força e a dinâmica da informação nos tempos tecnológicos, em que governos e chefes de governo são espionados, este acabe em pouco tempo mais um segredo de polichinelo.
João Bosco Rabello escreve no Capital Político