metropoles.com

Ideias fora do lugar (por Gustavo Krause)

A intolerância do radicalismo revolucionário e do revanchismo reacionário colocam as ideias fora do lugar

atualizado

Compartilhar notícia

Cadu Bruno / Metrópoles
Ato de campanha de Jair Bolsonaro em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde levanta-se faixa que diz "Brasil não quer o comunismo". Na foto, eles comemoram usando verde e amarelo diante do palco com autoridades - Metrópoles
1 de 1 Ato de campanha de Jair Bolsonaro em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde levanta-se faixa que diz "Brasil não quer o comunismo". Na foto, eles comemoram usando verde e amarelo diante do palco com autoridades - Metrópoles - Foto: Cadu Bruno / Metrópoles

Fascista! Comunista! Bolsonarista! Lulista! Estas são as ofensas que resumem e desqualificam o debate político no ambiente polarizado do Brasil. É a linguagem irresponsável das militâncias. Apelam para a estupidez dos rótulos e impedem uma reflexão mais profunda no mundo das ideias políticas que, no conjunto, inspiram e fundamentam doutrinas, ideologias, ação e projetos de mudanças, às vezes, temerárias da vida social.

De outra parte, reduzem ao simplismo binário a diversidade de formas que pode assumir a organização do mundo real. Os extremos do bem e do mal; do certo e do errado; do falso e do verdadeiro; eliminam, com a palavra envenenada, sistemas de pensamento que brotaram de mentes brilhantes. E foi a capacidade criativa e percepção científica que legaram ao mundo atual o liberalismo, o socialismo, o conservadorismo, o comunismo e suas variantes.

Digo variantes, porque todos os autores que formularam e estudaram, seriamente, o liberalismo, o socialismo e o conservadorismo, a eles se referem no plural porque se diferenciam ao abordar valores e princípios, revelando as variadas nuances.

No caso do socialismo, podem ser identificados o socialismo utópico, o socialismo científico, o socialismo fabiano e o socialismo democrático; no caso do liberalismo, a árvore frondosa do pensamento vai do liberalismo clássico, ao liberalismo social e aos novos neoliberalismos, entre eles, o neoliberalismo de forte influência na economia por força do Consenso de Washington.

O conservadorismo merece algumas considerações adicionais. No ambiente, radicalizado o epíteto “conservador”, especialmente no Brasil, significa uma ofensa por uma simples razão: propositadamente ou inadvertidamente, é utilizado para qualificar o interlocutor de “reacionário”.

O cientista político português, João Pereira Coutinho, Professor do Instituto Político da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, colunista da Folha de São Paulo que publicou As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários (São Paulo: Três Estrelas, 2014) inicia sua obra afirmando: “O conservadorismo não existe. Existem conservadorismos, no plural, porque assumem formas plurais de diferentes expressões no tempo e no espaço”. A afirmação injeta uma forte dose de serenidade na discussão reduzida à superficialidade dos dogmas ideológicos, clichês e da miséria do obscurantismo.

O mencionado autor faz parte de uma notável plêiade de pensadores a exemplo do eclético Roger Scruton, autor de mais de trinta obras (1944-2022), Michael Oakeshot (1901-1990), descendentes da tradição conservadora britânica, inaugurada pelo irlandês Edmund Burke (1729-1797) no livro seminal Reflexão sobre a Revolução Francesa (Ed. Universidade de Brasilia, 1977), berço e matriz do pensamento conservador.

Outro autor que compõe o núcleo do pensamento conservador é o americano Russel Kirk (1918-1994). Da vasta produção intelectual, cabe destacar A mente conservadora (não traduzida no Brasil) e A política da prudência (Ed. É Realizações, 2014).

Sua reconhecida abertura política e a cultuada virtude da tolerância o inspiraram a formular dez princípios conservadores aqui resumidos: 1. A ordem moral significa harmonia entre a natureza humana constante e a natureza moral permanente; 2. O respeito aos costumes e à continuidade, caminho que une as gerações, contrapostas à ruptura das revoluções; 3. A consagração pelo uso “o indivíduo pode ser tolo, mas a espécie é sábia”; 4. O princípio da prudência é sábio; 5. Respeito ao princípio da variedade; 6. O ponto de partida para ação é o reconhecimento do pressuposto da imperfeição humana; 7. Liberdade e propriedade estão intimamente ligadas, observados deveres morais e legais que regem os possuidores; 8. Comunidades voluntárias se opõem ao coletivismo imposto; 9. Limites entre o poder e as paixões humanas; 10. Conservar e mudar são duas faces de uma mesma moeda.

No caso brasileiro, a fogueira inquisitorial do patrulhamento é implacável. A primeira decisão do Ministro Cristiano Zanin foi amaldiçoada porque não atendeu aos sagrados propósitos da “esquerda progressista”. Nem as “respeitáveis togas” merecem a devida consideração.

Enfim, o radicalismo revolucionário e o revanchismo reacionário, intolerantes, colocam as ideias fora do lugar. O risco é natureza tímida das virtudes. Os extremos se impõem e para que a sociedade seja tolerável, concluo, citando João Pereira Coutinho, o princípio “é evitar que o poder seja exercido por monomaníacos”.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?