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Frenesi especulativo (por João Bosco Rabello)

O mercado deu por certo que a especulação que põe Haddad na Fazenda é fato consumado, o que passou a ideia de que já o assimilou

atualizado

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Fábio Vieira/Metrópoles
Lula, Haddad e Janja
1 de 1 Lula, Haddad e Janja - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

Parece claro que o presidente eleito, Lula, centralizou nele as decisões mais estratégicas nessa fase de transição, desde a escolha de ministros até as negociações com o Legislativo – e mesmo as de caráter mais emergencial como foi o caso da PEC da Transição.

A repercussão dessa decisão é negativa no mercado e em parte do meio político, mas às vezes os sinais são contrários. No caso, pode ser um bom sinal se indicar que só Lula pode conduzir a formação de um governo que reflita a aliança que o elegeu.

O ministério deve ser o espelho da pluralidade da frente democrática da campanha – e, se assim o for, frustrará um PT que ainda vive na realidade paralela dos velhos tempos, apesar de todas as lições que deveriam nortear a nova experiência de poder.

O Gabinete de Transição não emana poder. Cumpre seu curso da forma indicada pelo presidente eleito ao deixar o país para a COP 27, quando deixou claro que a participação na passagem de um governo a outro não se traduzia por autonomia para decisões do futuro governo.

O recado ficou mais claro ao ser estendido à formação do ministério. Com isso Lula anunciou interna e externamente que essa costura teria seu exclusivo comando. Até aqui o PT se comporta como quem não digeriu ainda a realidade de que o discurso de campanha é para ser consolidado no governo.

Sem essa heterogeneidade não haverá governança e, por consequência, estabilidade política. O trânsito em um parlamento de composição conservadora, mais fortalecido pelo domínio do orçamento e consciente de sua força como protagonista político exige diversidade para formar maiorias que viabilizem as pautas do governo eleito.

A ansiedade geral, mas principalmente a do mercado, não constitui novidade. A diferença agora é o estado de calamidade da economia produzido pelo governo que sai, na determinação de conquistar a reeleição a qualquer custo – incluindo aí “fazer o diabo”.

Somado à desconfiança com a nova postura prometida por Lula, tem-se um cenário de insegurança que o PT justifica, mesmo com todos os alertas do presidente eleito.

Enquanto Lula fazia seu périplo no exterior, acrescentado por uma semana pós-cirúrgica, o Gabinete de Transição transformou-se em uma versão da democracia corintiana, com o PT voltando aos maus hábitos de girar a metralhadora do “fogo amigo”, disparando teses e vetos, como o feito à senadora Simone Tebet, em quem temem a futura ministra da Cidadania.

Lula não parece incomodado com isso, talvez porque já esperasse e, por isso, lhe tenha subtraído qualquer poder decisório. Por esse enredo, o partido continua menor que ele e não amadureceu para se livrar do DNA não concessivo.

O retorno de Lula vai mostrar se, ao contrário do partido, ele ganhou essa maturidade e se exercerá sua incontestável liderança para consolidar no governo a aliança eleitoral.

Se Lula compartilha com alguém, ou com poucos, o roteiro político dessa fase é dentro de um pacto de silêncio blindado a vazamentos. Nessa quinta-feira (23) uma certeza do mercado foi posta em banho-maria: Fernando Haddad disse que não recebeu convite para o ministério da Fazenda.

Outra especulação ganhou força, mais por agradar ao mercado do que por veracidade: Haddad realmente seria o ministro da Fazenda, em dobradinha na área econômica com um dos pais do Real, o economista Persio Arida, que ocuparia o ministério do Planejamento.

O problema é que as fontes dessas informações estão no gabinete de Transição, misto de parlamentares e voluntários, onde se encontra até chefe de cozinha no cardápio da fome.

Nesse contexto, sobram versões desautorizadas, contaminadas por interesses próprios, alguns sujeitos até a se confirmarem se contiverem alguma lógica política. Mas a maioria sujeita ao limbo das especulações.

A receita Haddad/Arida é feita de encomenda para garantir uma cadeira poderosa para um futuro candidato petista, na Fazenda, com um bônus para o mercado na figura de um economista sóbrio, de competência já comprovada, que represente a garantia de responsabilidade fiscal, no Planejamento.

O mercado não engoliu. Não só percebeu a manobra, sem respaldo de quem efetivamente decide, como teve a oportunidade de comprovar que nem Haddad sabe o que propor. Pode ter sido um teste do presidente eleito, mas nesse caso não foi bom. Na prova com banqueiros e gente do mundo financeiro, a reação do mercado mostra que ele foi reprovado.

O mercado deu por certo que a especulação que põe Haddad na Fazenda é fato consumado, o que passou a ideia de que já o assimilou. Pode ser, mas assimilou mal, porque não é o perfil que espera para o posto, o que se reflete na resistência à PEC da Transição nos valores e prazos que estabelece.

João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Participou de coberturas históricas e integrou a equipe pioneira do Brasil do noticiário em tempo real da Agência Estado/Broadcast.
Texto original da colunadobosco.com
Twitter: @jboscorabello

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