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Civis e militares (por André Gustavo Stumpf)

A atual tensão entre militares e o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva não é nova

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Igo Estrela/Metrópoles
tanques do exército em frente ao palácio do Planalto desfile 7 de setembro independência
1 de 1 tanques do exército em frente ao palácio do Planalto desfile 7 de setembro independência - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A relação entre civis e militares em matéria de política, no Brasil, é conflituosa desde a Proclamação da República que foi, na verdade, uma quartelada. Havia um problema quanto ao destino dos Voluntários da Pátria que lutaram na guerra do Paraguai. O Exército não era, na época, uma força permanente e poderia ser dissolvida em época de paz. E o eterno problema de baixos salários. Além disso, as ideias consideradas modernas no século 19 do professor francês Augusto Comte tiveram peso relevante na política da época. Ele sugeria a criação de um regime democrático protegido de sublevações: era a chamada ditadura republicana. Ordem e progresso.

Tudo isso junto, somado à libertação dos escravos sem qualquer contrapartida para os fazendeiros (nem para os cativos), provocou um enorme desgaste do Imperador junto às classes dominantes. Preparou o terreno para o rápido fim do antigo regime. O golpe de estado ocorreu de maneira desorganizada e atrapalhada no centro do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1889. Dele decorreu a consequente expulsão da família real do Brasil. D. Pedro II morreu dois anos depois no hotel Bedford em Paris.

Os dois primeiros presidentes da jovem república brasileira foram marechais do Exército. A República tem este selo de procedência. Ela tem origem militar. Durante o Império, havia quatro poderes, o quarto deles, chamado Poder Moderador, era exercido pelo Imperador que tinha o poder de dissolver o Congresso e indicar um novo gabinete para administrar o país. O sistema funcionou bem durante os quase cinquenta anos da administração de Pedro II. Garantiu a integridade do território nacional. Os militares, na República, não herdaram esse privilégio imperial. Não há poder moderador no Brasil republicano.

Em 1922 os tenentes se revoltaram no forte de Copacabana. E saíram andando pela praia armados em desafio ao governo. Os 18 foram interceptados na altura da rua do Matoso, hoje Siqueira Campos. Eles foram presos, feridos ou mortos. Foi o início do processo que deu origem a sublevação do 5 de julho de 1924 em São Paulo e, por sua vez, originou a Coluna Prestes. O movimento atravessou o país na diagonal. Militares e civis caminharam desde Foz do Iguaçu até o Rio Grande do Norte. Ao longo do trajeto tomaram conhecimento da realidade nacional. A partir dessa marcha alguns militares entraram para a política. Luís Carlos Prestes aderiu ao comunismo.

A atual tensão entre militares e o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva não é, portanto, nova. Boa parte dos oficiais entendem que o Supremo Tribunal Federal não poderia ter desprezado as acusações contra Lula reveladas pela operação Lava Jato. Tensão é diferente de ação. Ninguém conseguiu levantar provas contra o processo eleitoral, nem contra as urnas eletrônicas. Os militares acompanharam todo o desenrolar do pleito. Fiscalizaram a eleição e não encontraram nada que pudesse significar vício ou fraude.

Restou o mal-estar e a agitação das vivandeiras que continuam na frente de quartéis a rezar diante de pneus e muros na tentativa de encontrar algum argumento capaz de alterar o resultado da eleição presidencial. Outra consequência foi a decisão conjunta dos comandantes das três forças de deixar o cargo antes do final do ano. Diante do fato, o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, deve adiantar a indicação do novo ministro da Defesa, provavelmente José Múcio Monteiro, pernambucano, bom de conversa, ex-ministro do Tribunal de Contas da União.

No ano passado, Lula, após ter restabelecidos seus direitos políticos, enviou emissários na tentativa de estabelecer diálogo com militares. Não conseguiu nada. Bolsonaro proibiu qualquer contato entre fardados e o líder do PT. Ele, aliás, demitiu o Ministro da Defesa e os três comandantes das três forças, em 2021, que não queriam se envolver com política. O presidente exigia fidelidade total. O resultado de tudo isso é que não haverá equipe de transição para lidar com assuntos militares.

O novo governo deverá nomear um civil para o Ministério da Defesa. Os novos comandantes militares assumirão suas funções já sintonizados com o novo tempo.  Mas o surpreendente convite para Lula se reunir com Joe Biden, em Washington, antes de sua posse, muda o cenário. O governo dos Estados Unidos quer propor ações conjuntas em várias áreas, o comércio, por exemplo, é deficitário para o lado brasileiro, mas também pretende tornar público seu apoio à transição democrática limpa e correta em Brasília. É recado muito claro, capaz de atingir até olhos menos sensíveis.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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