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A cultura do cuidado (por Gustavo Krause)

O cenário de guerra, ameaça à democracia e à integridade do meio ambiente clamam por uma profunda transformação

atualizado

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Stringer/Anadolu Agency via Getty Images
Tanque de guerra passando pela rua da Ucrania - Metrópoles
1 de 1 Tanque de guerra passando pela rua da Ucrania - Metrópoles - Foto: Stringer/Anadolu Agency via Getty Images

No dia 15 de novembro do corrente ano, a população mundial chegou, segundo estimativas da ONU, a 8 bilhões de habitantes.

Foram milhares de anos para alcançar o primeiro bilhão no século XIX. Do sétimo para o oitavo bilhão em 2011/22, decorreu pouco mais de uma década.

Em 1798, Thomas Malthus, o pai da demografia, fez o vaticínio sombrio: sem a contenção do crescimento populacional, em progressão geométrica, face ao crescimento da subsistência alimentar, em progressão aritmética, a humanidade caminharia para o apocalipse da fome universal.

O fatalismo da profecia não contava com inovações tecnológicas e científicas que, de um lado asseguraram a fartura de alimentos e, de outro, métodos anticonceptivos capazes de planejar ou controlar o ritmo do crescimento populacional.

Malthus, porém, não estava completamente equivocado. O “deus” progresso venceu o desafio da engenharia econômica, mas não respondeu ao desafio político de assegurar padrões aceitáveis de equidade social.

A fome atinge cerca de 1 bilhão de habitantes em extrema pobreza o que revela graves desigualdades sociais frente à afluência jamais experimentada na história.

Em paralelo à desigualdade de renda entre pessoas e regiões, a devastação ambiental compromete o futuro do Planeta.

Resulta, daí, a crise do modelo de civilização que se tornou insustentável. Neste sentido, o visionário Padre Lebret deixou uma grande lição: “Desenvolvimento é a construção de uma civilização do ser na repartição equânime do ter”.

Trata-se de mudança profunda porque propõe uma alteração radical de atitude dos indivíduos para enxergar o outro e integrar a comunidade planetária. Cabem indagações fundamentais: nós estamos cuidando devidamente das pessoas, especialmente, os mais pobres, vulneráveis, excluídos, minorias, idosos? A convivência atende aos princípios de solidariedade, cooperação, respeito ou a competição reina soberana? Temos sido respeitosos com a Mãe-Natureza ou dela temos abusado?

Com efeito, a fonte de inspiração da cultura do cuidado é a fábula-mito de Higino (Caio Julio Higino, escritor romano, 64 a.C – 17 a.C) em que a figura mitológica, Cuidado, “foi quem primeiro moldou o ser humano” e, a partir de então, assumiu a responsabilidade de acompanhá-lo ao longo da existência com desvelo, atenção e bom trato.

No mundo contemporâneo, prevalece um padrão de comportamento oposto. O cenário de guerra, pandemia, violência, ameaça à democracia, à integridade do meio ambiente clamam por uma grande transformação.

O poder, agente da transformação, deve dar o exemplo na medida em que as políticas públicas cuidem de quem realmente importa: as pessoas e a vida.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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