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Eu venci o bullying e você pode também

Foram tempos complicados de vencer. Os ataques e o preconceito transformaram a risonha e espontânea menina em uma jovem tímida e solitária. Passei anos trancada no quarto, conversando com diários

Autor Maria Eugênia

atualizado

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Bullying
1 de 1 Bullying - Foto: iStock

A história do pequeno Don, o morador de São Sebastião de apenas 4 anos que cortou os cabelos para não ser mais chamado de menina pelos colegas de escola, me tocou. Me lembrei do início da minha adolescência. Baixinha, gordinha, com sardas, cabelos crespos E ainda usava óculos! Difícil não ser alvo de bullying.

Foram tempos complicados de vencer. Os ataques e o preconceito transformaram a risonha e espontânea menina em uma jovem tímida e solitária.  Passei anos trancada no quarto, conversando com diários. A vitrola era a minha melhor amiga…. Ao som dos LPs, cantava e dançava sobre o piso de sinteco para espantar tanta tristeza.

Meus pais não enxergavam o que se passava comigo. Não os culpo. Estavam mais preocupados no sustento da família. Naquela época não se falava em bullying. As escolas não tratavam do assunto, muito menos os veículos de comunicação, embora a violência psicológica intencional já existisse. Tão dolorosa e cruel como se mostra nos dias de hoje.

Não existia internet naquela época. Era difícil compartilhar o problema. Me refugiava em livros. E neles, aos poucos, descobri que não havia nada de errado comigo. As histórias que lia me transformaram novamente. Os livros abriram meus olhos para o mundo. Me deram argumentos, atitude, conhecimento.

Também aos poucos fui saindo da concha. Foi um processo lento, superado por amigos que começaram a admirar o que eu havia me tornado. O estranho é que eu continuava a mesma: baixinha, gordinha, com sardas, cabelos crespos cacheados e usava óculos.

Porque somos assim, afinal. Temos defeitos. E não são poucos. Mas temos muitas coisas boas, sim, senhor!

Narigudas, esqueléticas, gordas, altas demais, baixinhas, sardentas, corcundas, cabelos pixaim, homossexuais, negras… Nada disso deve se sobrepor a valores como honestidade, cumplicidade, amizade, responsabilidade, confiança, verdade…  Todos merecem respeito pelo que são por dentro e por fora, desde que joguem no time do bem. Isso é o que importa. Pelo menos para mim.

E foi assim que ajudei meus filhos a enfrentarem o preconceito quando foram vítimas dele. Matheus tinha uns 10 ou 12 anos. Me lembro que o menino alegre, de repente, se fechou. Depois de muita conversa descobri que entrou na mira de alguns colegas por ser o mais baixinho da turma. Foram meses de conversa até que ele entendesse que aqueles que o afastaram por causa do tamanho dele não mereciam uma lágrima sequer.

Mais tarde foi a vez de Laura. Uns quilinhos a mais foram suficientes para torná-la alvo de bullying. O efeito foi devastador. De um extremo a outro, beirou a anorexia. Dona de uma personalidade forte, está superando o trauma e se abrindo para a vida. Um exemplo!

Confesso que são marcas que ficam para sempre. Algumas coisas você consegue superar, outras você dá um jeito. Das minhas sardas, por exemplo, fiz uma arma de sedução. Ao tamanho pequeno agreguei o charme de um salto agulha e sapatos de fazer inveja. A balança deixou de ser problema quando me esqueci dela. E os cabelos rebeldes são contidos por uma boa escova elétrica. Quando vou à praia, me permito a liberdade total de não domá-los. Porém, não tem a ver com o que os outros acham, mas com o que eu quero!

Quanto aos óculos, alterno momentos com eles e com lentes de contato. Tenho um arsenal deles em casa. De várias cores, formas e modelos. Um para cada look, para cada momento… Tem épocas em que gosto de usá-los. Tem outras, como agora, que os odeio. Porém, não tem a ver com o que os outros acham, mas com o que eu quero!

O pequeno Don cortou o cabelo. Tenho certeza que daqui a um tempo se sentirá confiante para deixá-lo crescer novamente. Ou quem sabe vai preferir ficar com ele curto mesmo. Do jeito que se senti melhor.

Superar o bullying é um caminho tortuoso. Não existem conselhos. Apenas troca de experiência. Cada um deve encontrar a forma melhor de enfrentar o preconceito. Pelo que vivi, só posso dizer que existem muitas ladeiras a vencer. Mas pra toda subida, há uma descida logo adiante. E é isso o que importa.

 

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