metropoles.com

Como é ser gay e idoso?

O temor de envelhecer se mostra ainda mais assustador entre os gays, que tradicionalmente são identificados por um culto ao corpo, à beleza e também à juventude

atualizado

Compartilhar notícia

Reprodução/Vimeo
idoso gay bailão
1 de 1 idoso gay bailão - Foto: Reprodução/Vimeo

A primeira vez que eu pensei a respeito de envelhecer sendo gay foi num festival de cinema em Recife em que foi apresentado o curta “Bailão”, de Marcelo Caetano. Nele, vários senhores acima dos 60 anos, contavam sobre a sua trajetória e de como viviam sua sexualidade na terceira idade por meio de sua convivência na pista de dança do ABC Bailão, em São Paulo.

Saí da sala me sentindo um completo idiota: como eu nunca tinha pensado como seria minha vida, sendo gay, quando eu envelhecesse?

Envelhecer, em si, já causa um certo temor na maioria das pessoas; mas, entre os gays, que tradicionalmente são identificados por um culto ao corpo, à beleza e também à juventude, este temor se mostra ainda mais assustador.

Quantas vezes ouvi gente dizendo que queria morrer aos 40 anos, no seu auge, pois assim evitaria a degradação do seu corpo. Ou quem se mostrava mais precavido, dizia que junto com uma aposentadoria privada, estava investindo na “bolsa bofe”, para ter a garantia de uma vida sexual ativa num momento que ninguém mais iria querer seu corpo. Era assustador ouvir isso de quem eu considerava mais experiente do que eu.

Depois de passar dos 30, já comecei a ouvir coisas no sentido de que eu começaria a decair. No entanto, os anos tem passado e eu não me vejo decaindo em nada. Se meu senso crítico para a balada ficou muito mais apurado e exigente, parece que a cada ano eu me torno uma pessoa muito melhor e mais interessante.

Ou como bem resumiu Odete Roitman ao se descobrir trocada por uma mulher mais jovem, “eu não sou esse corpo que você está vendo aqui não, eu sou muito mais do que isso. Eu não sou a minha juventude e a minha pele não, meu filho, eu sou Odete Roitman e isso nem você nem ninguém vai poder tirar de mim”.

O vídeo que o Põe na Roda fez sobre homossexualidade na terceira idade é interessante. Para começar a escolha das pessoas selecionadas para falar sobre o assunto que inclui João Silvério Trevisan, uma das maiores autoridades sobre a vivência e história LGBT no Brasil.

Contudo, no vídeo eu esperava muito mais depoimento a respeito da experiência pessoal de cada um em viver sua sexualidade naquela idade, mas o vídeo ficou muito concentrado em expor como era ser gay na juventude deles e pelo que eles passaram até chegar nos direitos dos tempos atuais. Não que essa parte não seja importante, mas pela propaganda do vídeo, não era o que eu esperava.

Eu queria mesmo era ouvir se eles ainda se sentiam desejados por alguém, se eram felizes com suas famílias, ou se a sociedade, que vem encaretando a olhos vistos, fica ainda mais careta em relação a eles, cobrando uma postura que, se não atendida, os premiam com o título de “velhos salientes”.

Uma vez li uma reportagem sobre homossexuais que voltavam para o armário quando atingiam certa idade e iam viver nos asilos. Pessoas que passaram a vida inteira lutando para serem aceitas, ao atingir o terço final de suas vidas, achavam melhor se esconder novamente e soou muito triste esta realidade.

As conquistas sociais como o casamento e o direito a doar sangue são pequenos elementos que fazem a diferença na estrada da vida, inclusive no momento final dela. Envelhecer é para quem tem sorte, pois a única opção para isso é morrer e ninguém merece desejar a morte para não enfrentar o efeito mais natural da vida. Afinal, envelhecemos a partir do momento em que nascemos.

Compartilhar notícia