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A vida depois de… receber o diagnóstico de HIV positivo

Há 8 anos, João Geraldo Netto descobriu ser portador do vírus. Graças ao tratamento, leva uma vida para lá de normal. Passou a trabalhar com prevenção à aids e casou-se com o advogado André

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Daniel Ferreira/Metrópoles
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1 de 1 Daniel Ferreira/Metrópoles - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Aos 25 anos, em 2007, João Geraldo Netto vivia tranquilamente em Petrópolis, na serra fluminense, era gerente de Marketing de uma empresa de internet, namorava havia cinco anos, estudava, saía com os amigos e fazia coisas que qualquer rapaz de sua idade costuma fazer. Até que sua vida virou de pernas para o ar.

Fui fazer um check-up para entrar na academia. O médico disse que aproveitaria para pedir exames de HIV, sífilis, HPV. Eu disse que não precisava, estava em uma relação estável. Mas ele insistiu. Então, eu fiz.

João Geraldo Netto

Quinze dias depois, às 8 horas, o telefone tocou. Era do laboratório, pedindo que ele fosse dali duas horas buscar o resultado dos exames. Seria recebido pelo médico proprietário do local. “Achei estranho e perguntei o motivo. Disseram que era praxe. Claro que não era normal o dono entregar todos os exames para todas as pessoas…”

João saiu desesperado do trabalho. “Ao chegar lá, esperei cinco minutos. Os cinco minutos mais longos da minha vida. Tinha medo de ouvir que estava com câncer. Na infância, descobri uma alteração no sangue e fazia controle para não evoluir.” João lembra da paciência do médico ao explicar que o exame havia apontado positivo para HIV e que pediria teste complementar.

“Eu e meu parceiro na época fizemos os exames. Meu maior medo era tê-lo infectado. Mas deu negativo e fiquei aliviado.” O novo exame, no entanto, confirmou o diagnóstico de João. “Minha carga viral era baixa. Eu já devia estar infectado há mais de cinco anos.”

Em 2010, o gerente de Marketing foi convidado para participar de uma campanha de prevenção à aids do Ministério da Saúde (João aparece aos 30 segundos). A campanha serviu para que a família de João Geraldo soubesse de sua condição. Enquanto gravava o anúncio, um jornal fez a cobertura dos bastidores e publicou no dia seguinte uma foto com a legenda: “Jovens soropositivos tiram fotos com celebridades”.  Foi o suficiente para uma concunhada ligar pedindo explicações sobre ele ser soropositivo.

Foi meio louco (risos). A campanha saiu na internet, iria para a TV e o pessoal acabaria vendo. Liguei para a única prima que sabia de tudo e pedi para ela espalhar a notícia. O pessoal ficou preocupado, chorou, porque não tinham informação, a minha prima também não sabia muito sobre assunto …

João Geraldo

João, hoje com 33 anos, achou melhor conversar pessoalmente com os familiares, as pessoas mais interessadas, e explicar tudo sobre a doença. Naquela época, ele já fazia parte de uma rede política de jovens soropositivos, fato que o ajudou a melhorar seu conhecimento sobre o HIV. João Geraldo foi para a internet buscar respostas, onde encontrou muitas informações boas, mas também muitos equívocos.

Vivendo com a soropositividade
A experiência com o primeiro infectologista não foi das melhores. O médico disse para ele não se preocupar, pois a doença não matava mais. Ao questionar sobre os cuidados necessários para não contaminar o parceiro, teve como resposta que era só usar camisinha. João achou o profissional muito seco e queria ter tido outro acolhimento naquele momento difícil.

João Geraldo começou a tomar os remédios de primeira linha adotados pelo Ministério da Saúde e teve como efeitos colaterais (que podem variar de pessoa para pessoa) tonteira, ondas de calor, náuseas, insônia e ansiedade elevada. Também tinha vários sonhos reais, que podiam ser muito bons ou muito ruins.

Por não se adaptar aos remédios, há nove meses passou a tomar os de segunda linha. Os efeitos agora são diarreia e dor de estômago. Para ter certeza de que a medicação não prejudica outros órgãos do seu corpo, faz exames constantemente. 

Costumo dizer que, depois que você recebe um diagnóstico de HIV, muita coisa muda. Você tem de ter um cartão de vacinação assinado e carimbado, como se fosse criança. Há um monte de vacinas essenciais que as pessoas soropositivas têm o dever e a necessidade de tomar. Depois é se acostumar à ideia de tomar medicamentos pesados, com efeitos colaterais. Além disso, é preciso ter hábitos saudáveis. Isso não é mais só uma vontade de ter o corpo bonito, é obrigatório para manter a saúde.

João Geraldo

Outra grande preocupação que João Geraldo tinha era em como lidar com um possível preconceito, sabendo que poderia enfrentar uma situação assim com a família, com amigos e até em futuros relacionamentos. “Nunca tive problemas com preconceito, não que eu tenha percebido. É engraçado quando eu falo isso, mas a minha realidade é muito particular. Não sou negro, não vivo na periferia, não sou travesti. Essas pessoas, quando carregam o HIV, ainda levam consigo outros fatores que são malvistos pela sociedade. Eu sou privilegiado. Tive a oportunidade de estudar, de conseguir um trabalho bacana que me permite pagar minhas contas. Conheço pessoas que enfrentam muito preconceito por causa do HIV”, afirma.

João Geraldo não esconde que teve medo de morrer. De passar por tudo que os ídolos de sua geração (Cazuza, Freddie Mercury, Renato Russo) passaram e ter o mesmo fim: morrer em consequência do vírus. “Em determinado momento da minha vida, dei mole (transar sem camisinha) e acabei carregando essa responsabilidade.”

A vida se mistura com o trabalho
Depois da campanha para o Ministério da Saúde em 2010, João Geraldo foi convidado novamente para outra campanha, em 2012. Acabou criando vínculo de amizade com o pessoal do órgão e perguntou o que deveria fazer para integrar permanentemente a equipe.

“Me explicaram que em breve abriria uma vaga com o meu perfil e eu poderia me candidatar. Quando isso ocorreu, me candidatei, passei por todo o processo seletivo e fui chamado. Acredito que também contou a minha experiência na militância anti-HIV. Entrei na assessoria de Comunicação, fiquei lá por dois anos e depois fui convidado para ir para a Coordenação de Prevenção e Articulação Social, que é onde estou hoje. Faço essa parte de prevenção, principalmente com jovens de populações-chave: gays, travestis e transexuais. Eu simplesmente amo fazer esse trabalho.” Nesta quinta (8/10), o ministério se mobiliza pelo Dia Nacional de Prevenção à Aids.

Conto de fadas
Ainda na faculdade, em Petrópolis, João conheceu o assistente administrativo André Moreira, 31 anos. João fazia Comunicação e André, Direito. Na época, os dois estavam em relacionamentos com outras pessoas, só se conheciam de vista.

A aproximação aconteceu há quatro anos, quando o primeiro casamento de João estava acabando e André ficou solteiro. Se encontraram, por acaso, em um restaurante e começaram a conversar. “Na semana seguinte, começamos a namorar. Morar junto também foi muito rápido. Perder tempo para quê? Quem perde tempo é relógio atrasado”, brinca João.

João veio trabalhar em Brasília e os dois ficaram quase dois anos se relacionando a distância. “Na verdade, eu não tinha nenhuma vontade de me mudar para Brasília. Queria que ele voltasse para o Rio. Mas as circunstâncias contribuíram para que eu viesse. A gente tinha acabado de ficar noivo…”, lembra André. Nesse meio tempo, os dois acertaram os detalhes do casamento, enfrentaram a ponte aérea Brasília-Rio, gastaram muito dinheiro, mas queriam ficar juntos e se casar.

O casamento, em 19 de abril de 2014, foi um show à parte, com direito a tudo com que os noivos sempre sonharam. Só o vídeo com o pedido de noivado tem quase 300 mil acessos no YouTube. A celebração foi realizada em um castelo, em Petrópolis.

“Quando o João me pediu em casamento (numa espécie de quiz), tive de responder sobre qual é o apelido pelo qual ele me chama. E é ‘Príncipe’. Fomos conhecer o castelo e, com essa coisa de ele me chamar assim, a gente achou que seria o cenário ideal. Cheguei lá e falei: ‘É esse o lugar’. Tínhamos um orçamento e gastamos quase três vezes mais do que o previsto. Mas ficou exatamente como queríamos”, relembra André.

 

Daniel Ferreira/Metrópoles
André e João com o cãozinho Kaio, da raça pug: felicidade em família

Após algum tempo juntos, resolveram que a casa precisava de uma alegria a mais, uma companhia. Adotaram o Kaio. O cão da raça pug é o xodó da casa, quase um filho. Para João, as pessoas ficam mais humanas quando têm um animal.

Sobre ter filhos, o casal conta que já conversou sobre a vontade de adotar uma criança. A crise financeira pela qual passa o país colocou a vontade em stand by. “Não é nenhuma sangria desatada. De repente, mais pra frente, pode ser que a gente queira adotar uma criança, sim”, fala João, que já tem até o nome para o filho: Arthur.

Enquanto isso, o casal só tem motivos para continuar comemorando. No início de agosto, um dos exames rotineiros de João apontou que ele está muito bem. Foram os melhores resultados desde que ele foi diagnosticado, em julho de 2007. Isso significa que os medicamentos novos estão funcionando e já mostram eficácia. “É absolutamente normal viver com o HIV”, sorri João.

Confira algumas fotos do casamento de João Geraldo e André

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