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A vida depois de… largar as drogas com ajuda da reciclagem de lixo

Com um talento para o universo do artesanato, Edson Vaz teve um passado difícil com as drogas, mas conseguiu dar a volta por cima e hoje ajuda comunidades carentes por todo o Distrito Federal

atualizado

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Giovanna Bembom/Metrópoles
1 de 1 - Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles

É numa oficina cheia de metal, canos de PVC, pneus e garrafas pet localizada na entrada de Planaltina que Edson Vaz passa grande parte do seu dia. Com um talento natural, o artesão sempre reaproveita materiais recicláveis que são jogados fora e os transforma em verdadeiras obras de arte sustentáveis.

No entanto, quem vê o talento de Edson nem imagina que por detrás de sua técnica artística reside uma história de superação contra as drogas e a dependência química.

O artista nasceu no Rio de Janeiro e antes de vir para Brasília — e viver do trabalho de convergir materiais usados em novos produtos para consumo –, teve uma infância extremamente humilde no paraíso carioca.

Sem floreios em relação à sua biografia, o artesão conta que estudou até o segundo ano do Ensino Fundamental e que a falta de perspectivas e oportunidades fez com que já na adolescência ele estivesse envolvido com o tráfico de drogas.

O tráfico consegue trazer os jovens porque mostra um lado que encanta. Te dá muito dinheiro, muito poder e muito respeito na comunidade. Chegou um ponto que levei todos os meus parentes para esse barco. Não é uma doença que causa enfermidade apenas em você, adoece a família toda.

Edson Vaz

A adolescência atribulada e o constante uso de drogas fizeram com que Edson procurasse a ajuda de seu tio, Célio Vaz. Ao lembrar da carta que escreveu pedindo ajuda àquele que elege como “um dos melhores caras do mundo” e da forma como foi acolhido pelo tio em um momento delicado, os olhos de Edson ficam marejados.

“Ele me mostrou que existia uma saída, que eu poderia levar uma vida diferente. Porque o dependente químico é inteligente. Pense nisso: tem tanta coisa que o cara faz para passar a perna nos outros ou até para conseguir droga, que se ele usasse toda essa estratégia para se beneficiar imagine onde esse cara ia parar.”

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Ao chegar no Distrito Federal, em 1984, começou a planejar como mudaria de vida. Casou-se em 1991 e foi durante essa época que começou a desenvolver palestras que buscavam alertar adolescentes sobre os perigos das drogas, do alcoolismo e da dependência química – tudo baseado em sua própria experiência.

“Tem muita gente que entra nas drogas por não conhecer o outro lado. Eu conheci. É muito mais fácil você mostrar um lado bom da coisa ruim do que o lado maligno da coisa ruim”, contemporiza o artesão que acredita que o maior erro das pessoas está em enxergar a droga como algo inofensivo.

Porque quem usa drogas, mesmo sabendo que existem pessoas em situações críticas e que estão no fundo do poço por causa disso, nunca vai dizer que usar drogas é algo horrível. Sempre vai achar justificativas para dizer que está tudo sob controle

Depois de alguns anos dando palestras, tanto o público a quem Edson se dirigia quanto o viés que ele tratava começaram a ganhar ramificações. O artesão se profissionalizou em um curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que unia a produtividade à preservação ambiental, e logo passou a desenvolver técnicas de trabalhos de reciclagem.

Em 2004 surgia o projeto da ONG Lixo Mania que buscava atingir não só ex-viciados como também pessoas sem renda em comunidades carentes – alguns deles trabalham no box ao lado da oficina de Edson.

“A ONG abriu muitas portas para exposições e ajudou muitas pessoas a mudarem de vida. O trabalho que desenvolvemos na área rural é muito importante, porque muitos dos aprendizes se tornaram empresários e hoje têm sua própria clientela, indo além do artesanato. ”

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Tanta dedicação tem seu preço. Edson trabalha sem nenhuma ajuda de custo de empresas privadas e do poder público e sempre financia seu trabalho com aquilo que produz e vende. A inspiração para criar também é orgânica e vem especialmente do cenário do cerrado e de outros elementos da natureza.

Canos de PVC, latas, pneus e outros materiais são misturados a um pouco de cimento e areia e se transformam em suportes para vasinhos que parecem lenhas, fontes que imitam perfeitamente um bambu, grandes xícaras com hortas e bancos que parecem troncos de árvore – isso sem causar nenhum dano ambiental.

Desde que

 eu comecei a trabalhar com o artesanato, a maior parte do meu trabalho é inspirada no meio ambiente, então não tem como eu me inspirar em algo e prejudicá-lo ao mesmo tempo. Eu faço um tronco de árvore que fica idêntico a um original. Eu não preciso derrubar uma árvore para fazer isso.

Edson Vaz

Além do design, acabamento e texturas diferentes nos trabalhos, que são vendidos em sua oficina, Edson já criou uma fonte de água totalmente sustentável com a ajuda de 290 crianças carentes que frequentam o Instituto Madalena Caputo, do Paranoá.

A fonte foi produzida com mais de 7.600 garrafas pet, e jardineiras feitas de pneus, isopor, cimento e areia, e só não entrou para o livro dos recordes porque não havia com exatidão o número de garrafas usadas.

Entretanto, isso não desanimou o artesão. Para Edson, muito mais gratificante do que seu nome estar no Guiness Book é poder ver o que seu trabalho gera socialmente. “Não tenho uma casa luxuosa e muitas vezes nem tenho gasolina para ir fazer um trabalho social, mas tudo que eu tenho me satisfaz. Se eu for fazer um banco, eu dou o meu melhor. Antes de mais nada, não me envergonho de contar minha história para ninguém. Hoje tenho esposa, filhos e netos, mas até um tempo atrás eu nunca achei que teria uma família, um trabalho ou um futuro. E hoje eu tenho”.

 

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