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Benjamim de Oliveira, o primeiro palhaço negro que o Brasil esqueceu

Artista foi um dos criadores do circo-teatro no Brasil. Sua memória, porém, só passou a ser avivada a partir dos anos 1990

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Benjamim Oliveira
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No auge da carreira, Benjamim de Oliveira fez do Rio de Janeiro a sua corte. Era começo do século 20 e o Circo Spinelli montava de forma inédita dramas, comédias e operetas, sob a batuta deste que foi o primeiro palhaço negro do país.

Esse artista deu os passos iniciais para modernizar o ofício das artes cênicas no Brasil. Naquela época, atores e atrizes, por exemplo, não decoravam o texto. Escondido no palco, havia a figura do Ponto, um profissional que lia a obra e soprava as frases para que os artistas seguissem a narrativa, com certa naturalidade.

Ousado e corajoso, Benjamim montou a opereta Viúva Alegre, de Franz Lehar, pela primeira vez em português e, para surpresa dos críticos, todos sabiam os papéis de cor e salteado. Ali, ele e Bahiano, dois artistas negros, tinham os rostos maquiados de branco para dar vida aos protagonistas, originalmente sem melanina alguma na pele.

“Benjamim ousava interpretar um galã branco e se cercou de todos os cuidados. A Viúva Alegre fez parte do repertório do Circo Spinelli com muito sucesso e Benjamim escreveu mais de 100 textos para picadeiros e pavilhões”, conta Alice Viveiros de Castro, no livro O Elogio da Bobagem.

O requinte artístico de Benjamim era tanto que chegou a trocar cartas com o autor Franz Lehar para discutir o uso do figurino de Viúva Alegre, procedimento completamente contemporâneo para a feitura do velho teatro brasileiro, ainda com os dois pés fincados no século 19.

Arthur Azevedo, um dos primeiros teatrólogos brasileiros, ficou em êxtase quando viu, sob a lona do circo, Othelo, de William Shakespeare, interpretado por Benjamim.

Quando Shakespeare fez Othelo, imaginou certamente um tipo como esse que Benjamim representa com tanta força no seu pequeno teatro

Arthur Azevedo

Criador do circo-teatro no Brasil, o palhaço Benjamim de Oliveira, como a maior parte dos artistas brasileiros à época, levou uma vida financeiramente instável. No entanto, para ele, pesou, de forma implacável, a cor da pele.

Meu destino era fugir. Destino de negro

Benjamim de Oliveira

Até chegar ao reconhecimento no Circo Spinelli, Benjamin Chaves (nome de batismo) colecionou perseguições e violências diversas. Nasceu na fazenda de Guardas, em Patafufu (hoje Pará de Minas-MG). Era filho de Malaquias (uma espécie de capataz) e Leandra de Jesus (escrava de estimação). A família negra era querida pelo senhor branco. Enquanto o pai caçava escravos fujões, a mãe era de total confiança da Casa Grande. Assim, Benjamim nasceu, em 11 de junho de 1870, alforriado.

Aos 12 anos, o menino trabalhava vendendo bolos nas portas dos circos que passavam pela cidade, mas já tinha exercido vários ofícios. Foi candeeiro, guarda-freio e até “madrinha de tropas”. Apanhava frequentemente do pai e não havia outro destino a não ser o de fugir e nunca ser capturado pelo capitão Malaquias. Disse adeus à infância perdida e partiu com o circo de Sotero Vilela. Ali, foi tratador de animais e aprendeu o ofício de acrobata:

O que saltava, andava no arame e exibia-se em barras e nas argolas. Depois, artista equestre e trapezista

Alice Viveiros de Castro

Não demorou muito e Benjamim seguiu a sina. Fugiu de Sotero, que tinha ciúmes dele. Há suspeitas de que era espancado. No caminho, foi capturado por ciganos e, possivelmente, escravizado, porque eles queriam trocá-lo por um cavalo. Fugiu novamente. Foi então preso por um senhor de escravos, que duvidou de sua alforria. Para provar que não era foragido, fez então um número de saltos e cabriolas para que o senhor branco lhe devolvesse a liberdade.

Rodou vilas de Minas e São Paulo, no lombo de um burro. Viveu na mendicância até encontrar de novo com os circos. Trabalhou com Jayme Adayme e Manoel Marcelino, que lhe deu, como aponta a pesquisadora Ermínia Silva, o verniz artístico.

Virou palhaço na marra, em 1889, no Circo de Albano Pereira, quando o famoso palhaço Freitinhas (Antonio de Freitas) caiu de cama.

Estava de lado comendo meu prato de folhas. Como negro, não me sentava à mesa com os outros, quando o Albano exclamou

Benjamim

Já sei, o moleque Benjamim vai fazer o palhaço

Albano

Benjamim tremeu. Sem saber como atuar, entrou no picadeiro sem fazer graça alguma. Foram vaias, ovos, tomates e pedradas.

Sentia-me mal na profissão e daí redundava o meu fracasso no picadeiro. Dentro de uma semana, o Freitinhas estava bom. Eu, porém, devia continuar palhaço. Palhaço sem graça para que as graças dele ressaltassem mais

Benjamim

Benjamim tinha o frescor da modernidade. E logo percebeu a força do improviso em favor do seu palhaço. Um dia, jogaram para ele uma coroa de capim e ele respondeu:

Deram a Cristo uma coroa de espinhos, por que não me poderiam dar uma de capim?

Benjamim

O público riu, aplaudiu, e Benjamim sagrou-se palhaço de gargalhadas. Três anos depois, já tinha confortável salário de 30 mil réis.

“Numa noite, ele recebeu 5 mil réis de um misterioso admirador: era Floriano Peixoto, o ‘Marechal de Ferro’, presidente da República. Nesse tempo, o chefe da nação gostava de sair à noite para saber o que se passava nos teatros, circos e cafés”, observa Alice Viveiros de Castro.

A consagração do palhaço Benjamim o leva ao Circo Spinelli e ao sonho de fazer teatro sob a lona.

Com Spinelli, que foi o meu circo, andei por todo o Brasil, e quanta coisa eu vi. Vi o Curral del Rey se tornar Belo Horizonte. Vi cidades nascerem. E os trilhos chegarem às povoações nas pontas dos trilhos por onde íamos à procura de público

Benjamim

O sucesso e prestígio de Benjamim o levaram ao cinema. Foi o primeiro ator negro que participou de um filme brasileiro: Os Guaranis, de Antonio Leal, em 1908, filmado com um câmara imóvel no picadeiro, aproveitando uma adaptação do palhaço para a obra de José de Alencar. Lógico que Benjamim fez o papel do protagonista Peri.

Gravou também modinhas e seguiu a vida quebrando tabus. Chegou à velhice com sérias dificuldades financeiras. A partir de uma campanha nacional do jornalista Brício de Abreu, apoiado pelo então deputado Jorge Amado, conseguiu uma aposentadoria de Getúlio Vargas.

Benjamim morreu em 3 de maio de 1954. Só nos anos 1990, um trabalho de avivamento de sua memória teve início.

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