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Judith Lauand ganha a maior retrospectiva da carreira no Masp

Aos 100 anos, Judith Lauand, única mulher do Grupo Ruptura, apresenta 124 trabalhos que mostram diferentes vertentes de sua obra

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Imagem Colorida Judith Lauand, Acervo 9, 1955
1 de 1 Imagem Colorida Judith Lauand, Acervo 9, 1955 - Foto: Reprodução

É uma assinatura no canto direito da pintura que afirma a presença da única mulher entre os treze integrantes do grupo Ruptura, pioneiros do movimento concretista brasileiro. Judith Lauand, ao contrário da maioria dos companheiros que colocavam seus nomes no verso das obras, assina alguns de seus quadros ressaltando a sua presença. Em celebração aos 100 anos da artista, o Masp recebe a exposição: “Judith Lauand: desvio concreto” – a maior já dedicada ao seu trabalho. São 124 obras que atravessam seis décadas de produção.

Ao contrário também de muitos artistas concretos que tiveram seus trabalhos amplamente estudados e valorizados ao longo do tempo, a mostra tenta recuperar a ausência da artista no meio principalmente institucional. Ao Metrópoles, Fernando Oliva, curador da mostra junto com Adriano Pedrosa, diretor no Masp, afirma:

“Judith Lauand é uma artista sub-representada institucionalmente. Como infelizmente é o caso, no Brasil, de muitas artistas mulheres.”

A afirmação justifica o fato de 80% das obras, que estão na retrospectiva, pertencerem a coleções particulares. O próprio Masp, até a organização da individual, não tinha trabalhos da artista em seu acervo. A obra “Acervo 29, Concreto 33”, de 1956, doado recentemente pela família de Judith, é o primeiro a integrar a coleção da instituição.

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Vocação abstrata

A artista nasceu em Pontal, interior de São Paulo, em 1922, mas com apenas um ano, mudou-se para Araraquara com a família. Filha de pai libanês e mãe síria, a vocação para arte despertou cedo quando frequentava cursos livres de pintura e desenho. Judith integrou a primeira turma da Escola de Belas Artes de Araraquara, formando-se em 1950.

Algumas de suas primeiras pinturas, que podem ser vistas logo na entrada da exposição, são figurativas, mas já apontam uma tendência à simplificação da forma. Em um manuscrito, a artista conta que havia pintado uma natureza morta, porém, quando se afastou, viu um quadro abstrato:

“O prato tinha vários círculos, a garrafa um retângulo, a mesa triângulos e no fundo sinais de objetos. Procurando depurar os traços, buscando só o essencial, realizei uma pintura abstrata com base em formas da natureza.”

O desvio concreto

O convite para integrar o grupo Ruptura veio pelo líder do movimento paulista, Waldemar Cordeiro (1925-1973). Judith foi a primeira e única mulher a integrar o time do qual faziam parte Anatol Wladyslaw (1913-2004), Leopoldo Haar (1910-1954), o austríaco Lothar Charoux (1912-1987), o húngaro Kazmer Féjer (1923-1989), Geraldo de Barros (1923 – 1998), Luiz Sacilotto (1924 – 2003). Não é só o gênero que a diferenciava do restante. A artista buscou um caminho particular dentro das regras radicais estabelecidas pelos grupos.

“Ela criou uma dinâmica própria em seu trabalho, buscando uma vibração entre as cores. Isso vem em grande medida da negação ao regramento estabelecido principalmente de Waldemar Cordeiro “, diz o curador.

Se os concretos tinham como seus princípios retirar a marca da mão artista das telas e a preferência por tintas industriais e automotivas, Judith faz questão de apresentar seu gestual em alguns trabalhos – um exemplo é “Do Círculo ao Oval”, de 1958. Outras obras, da mesma época, desafiam a geometria precisa da cartilha concreta e criam instabilidades que dão um movimento aparentemente desordenado à composição.

Em ocasião de uma exposição da artista em 1977, no MAC-USP, o crítico e curador Walter Zanini escreveu que o trabalho de Lauand se diferenciava dos demais por caracterizar uma “estrutura mais dinâmica do espaço”.

Um flerte com a Pop Arte

No fim dos anos 1960, Lauand fez uma breve incursão pela arte pop, se apropriando de imagens do cinema e escrevendo sobre as telas de frases em que trabalhava um jogo de palavras com os termos “amor”, “morte” e “sofrimento”. O Masp traz um pequeno conjunto de 10 telas dessa época.

A artista não se casou, nem teve filhos. Não queria que nada a desviasse do seu caminho na arte. Esse conjunto figurativo de estética pop apresenta um desconforto das figuras femininas em relação às figuras masculinas que tentam segurá-las. Os títulos das telas também sugerem esse desassossego. “Te amor”, “Ter a mor”, “Até amor”, “Sofre, ore e salve” são alguns exemplos. A política é outro tema explorado em trabalhos dessa época. Em algumas telas, tece críticas à Guerra do Vietnã e à ditadura militar brasileira.

Nessa mesma sala, também estão obras que chamou de “polimatéricos”. Nessa série, por meio da apropriação de materiais aparentemente banais como dobradiças, tachas e clipes, ela trabalha a geometria e o movimento a partir da forma dos objetos apropriados.

A exposição encerra o ciclo do Masp dedicado ao tema “Histórias Brasileiras”, trazendo um olhar feminino sobre a arte concreta, sobretudo, paulista. “É o momento de uma artista mulher que não teve o seu reconhecimento merecido por ser mulher”, conclui o curador. “Essas exposições do Masp falam dessas lacunas, desses aspectos que foram deixados de lado nas histórias brasileiras.”

Av. Paulista, 1578 – Bela Vista. Ter.: 10h/19h, qua./dom.: 10h/17h. Ingresso: R$50, (ter.: grátis). Site: masp.org.br. Até 23 de abril de 2023.

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