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Mortes no litoral: laudos põem em xeque versões de confrontos da PM

Em um caso, vítima foi fuzilada no queixo e nas costas, e PMs afirmam que ela conseguiu fugir correndo, sem mencionar troca de tiros

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Em foto colorida aparecem quatro homens um ao lado do outro, de seus rostos somente, com fundo branco - Metrópoles
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São Paulo — Laudos da Polícia Técnico-Científica colocam em xeque versões apresentadas por policiais militares para as mortes ocorridas em supostos tiroteios durante a Operação Escudo, deflagrada no fim de julho na Baixada Santista, após o assassinato de um soldado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), a tropa de elite da PM paulista. Até o momento, 20 pessoas foram mortas pelos policiais.

O Metrópoles já havia mostrado inconsistências nos relatos dos PMs a partir da análise dos históricos de 13 boletins de ocorrência, feitos após as mortes em decorrência de intervenções policiais no litoral paulista. No último domingo (20/8), o programa Fantástico, da TV Globo, divulgou parte dos laudos que mostram quantos tiros — e em quais partes do corpo — atingiram as vítimas. O Metrópoles teve acesso ao mesmo material e constatou que esses detalhes se contrapõem aos relatos feitos pelos PMs à Polícia Civil.

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O caso que mais chama a atenção é o de Jefferson Ramos Diogo, de 34 anos. Segundo os laudos, os PMs dispararam oito tiros de fuzil contra ele, por volta das 20h do dia 29 de julho, um sábado, no Guarujá. Quatro dos disparos o atingiram — no queixo, nas costas, na perna esquerda e no braço direito.

Na ocasião, um PM relatou que fazia patrulhamento com mais dois policiais, todos armados com fuzis, quando avistaram três suspeitos, sendo dois armados com pistolas e outro carregando uma mochila. Ao avistar a viatura, Jefferson teria apontado uma pistola na direção dos policiais. Não há menção a tiros efetuados pelo rapaz no boletim de ocorrência.

No relato, um dos PMs afirma ter dado cinco tiros de fuzil e outro, três. Mesmo com o suspeito fuzilado, um policial militar reforçou em depoimento que “seguiu o indivíduo alvejado” e percebeu que ele estava armado “de forma ameaçadora”. Por isso, o PM “necessitou realizar novos disparos”. Somente após mais tiros, “a situação foi apaziguada”.

Apenas cinco horas após o registro da ocorrência pelos policiais, o BO foi atualizado com a informação de que houve troca de tiros, já na madrugada do domingo (30/7).

Alvo de tiros no chão

Em outra abordagem que resultou em morte, um sargento relatou em depoimento que Maicon Souza Santa Roza, de 25 anos, “surgiu” na porta de uma residência em uma comunidade do Guarujá, com uma arma em mãos. O policial disse que estava a 2,5 metros de distância do suposto criminoso e atirou duas vezes com seu fuzil. Um cabo afirmou ter atirado quatro vezes com sua pistola contra o sujeito.

Segundo o sargento, mesmo ferido, o suspeito ainda teria tentado pegar uma arma e, por isso, o PM atirou com seu fuzil mais uma vez, com o homem caído no chão. Já na versão do cabo e de um soldado, o suspeito teria sido desarmado ao cair. De acordo com laudo pericial, Maicon morreu após ser atingido por cinco tiros, sendo que quatro teriam sido disparados quando a vítima já estava caída no chão.

Em 28 de julho, um dia após o assassinato do soldado da Rota, policiais do mesmo batalhão afirmaram ter visto um volume na cintura de Fabio Oliveira Ferreira, de 40 anos, também em uma comunidade no Guarujá. Um dos policiais afirmou ter dado três tiros de fuzil. Já atingido por tiros de calibre 556, usado em guerras, o suspeito, segundo os PMs, ainda “tentava alcançar” uma arma que supostamente estava em sua cintura. Por isso, ele foi alvo de mais dois tidos de pistola.

Segundo laudo necroscópico, Fabio morreu no local com “choque hemorrágico”. A perícia apontou que ele foi fuzilado três vezes no peito e uma no lado esquerdo da costela. Dois dos tiros lhe atingiram de baixo para cima e um de cima para baixo, de acordo com o documento oficial.

Já Matheus Eduardo dos Santos Silva, de 22 anos, foi morto no dia 29 de julho, por volta das 19h15, com quatro tiros. Segundo laudo pericial, um atingiu as costas, o que indica que ele teria tentado fugir. Outros dois tiros acertaram o braço, transfixando o pulmão direito e o coração, e o último atingiu o lado esquerdo do maxilar, quebrando seus dentes.

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“Ausências chamam atenção”

Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Samira Bueno afirmou ao Metrópoles que os laudos, por si só, são documentos “insuficientes” para concluir se houve execuções nas ações dos PMs no litoral paulista, mas que eles demonstram contradições na versão dos policiais.

“Há indícios que parecem contrariar a versão dos policiais e, mais do que isso, talvez sejam as ausências que mais chamam atenção. Ausência de laudo residuográfico, de perícia do local e de imagens de câmeras dos policiais”, afirma a especialista.

Samira Bueno avaliou que isso “tem sido o quadro geral da Operação Escudo”. No dia 7 de agosto, a PM informou que seis das 16 mortes ocorridas por intervenção policial na Baixada Santista até aquele momento envolveram policiais sem câmeras corporais.

O que diz a SSP

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou, em nota, que todos os casos são apurados pela Delegacia Especializa em Investigações Criminais (Deic) de Santos, com apoio do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

Todas as provas, acrescentou a pasta, são investigadas também pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, os quais receberam imagens das câmeras corporais usadas pelos policiais.

“Dos 20 casos de reação à ação policial que resultaram em morte, 12 envolveram policiais de batalhões que possuíam câmeras. Todas as imagens foram compartilhadas com os órgãos de controle, incluindo a trilha de auditoria de 4 câmeras que tiveram a bateria descarregada ao longo do turno de serviço”, diz trecho de nota.

Sobre os laudos mencionados pelo Metrópoles, a SSP afirmou que “em nenhum deles” foi registrada “incompatibilidade com os episódios relatados”.

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