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Por que temos a necessidade de mentir?

A conveniência é o cerne da prática. A partir dela, buscamos conduzir a interpretação do outro para uma situação menos dolorosa

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Politician liar gives people impossible promises with fingers crossed on his back.
1 de 1 Politician liar gives people impossible promises with fingers crossed on his back. - Foto: Istock

Assumir um discurso diferente daquilo, a priori, interpretado como verdadeiro. Essa é a origem da mentira. Seu conteúdo, no entanto, pode ser derivado de uma infinitude de intenções. E, por consequência, de interpretações possíveis daqueles que por ela sejam envolvidos. Por isso, Jung a situou no campo das misérias morais.

Ela é um artifício intencional e democrático: mentimos do nascimento à morte, variando apenas as finalidades. É engano quando o intuito é ludibriar o outro. É trapaça, quando encurta a distância entre nós e nossos objetivos. É autoafirmação, ao engrandecermos nossa realidade.

É também subterfúgio, quando não encontramos um espaço ou condições internas para a verdade. É defesa, quando a verdade parece ser mais difícil que a minha capacidade de enfrentá-la. É teste, quando adotamos uma medida competitiva com o outro.

Assim, vê-se que a conveniência é o cerne da mentira. A partir dela, buscamos conduzir a interpretação do outro para uma situação mais favorável, ou menos dolorosa. Para nós mesmos, ou para si e para o outro.

Não devemos abrandar a dita “mentira do bem”. Mas acreditar que estamos prontos para a verdade a todo o momento é uma ilusão. O medo da desaprovação conduz grande parte dessas falhas no discurso: usamos o atalho para evitar confrontos.

Jung também distingue a mentira da “ocultação da verdade”, do segredo. Para ele, este tem uma função psicológica muito mais profunda, por dialogar com conteúdos inconscientes e sombrios.

Muitas vezes, a mentira se transforma num jogo que sustenta dinâmicas relacionais. Fundamenta-se no poder de quem pode manejar a verdade, também da capacidade de desvendá-la.

O sujeito mentiroso é alguém atormentado por seus próprios fantasmas. Ele sobrevive num ambiente paralelo, no qual a verdade o espreita em cada gesto, palavra ou olhar. Mentir é como espalhar minas em um terreno e, em seguida, desfazer-se do mapa. Cada passo é um risco, que o expõe ao que nunca deveria ter sido plantado ali.

A contradição é a traição dessa estratégia. O constrangimento de ser flagrado em trapaça é como perceber-se nu em praça pública. Ela é uma falha moral, como classificou Jung, justamente por comprometer outros valores que detemos. O estigma de mentiroso corrompe chances de relações saudáveis e profundas. Às vezes, por muito pouco.

Grande parte das mentiras que contamos serve apenas para ocultar nossas dificuldades e discordâncias. Tememos a rejeição e, usando esse recurso, muitas vezes deflagramos neles um comportamento de repulsa. A farsa é filha da baixa autoestima.

A quebra na confiança pode ser mais danosa do que aquilo que tentamos ocultar. A verdade, quando bem dita, cabe em qualquer circunstância. Cabe a nós aprender o bem-dizer.

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