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El Paso atravessa a história da cozinha mexicana em Brasília

Chef David Lechtig explora a riqueza das culturas culinárias latino-americanas

atualizado

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tacos
1 de 1 tacos - Foto: Divulgação

Das primeiras e efêmeras taquerias de redes norte-americanas que se instalaram por aqui nos anos 90 até os dias de hoje, a cozinha mexicana em Brasília se estabeleceu graças à junção de dois elementos centrais: chili e margarita. O modelo Taco Bell não funcionara – pelo jeito a fórmula burger-e-fritas monopolizou o conceito de fast food, ao contrário do fenômeno nas metrópoles norte e sul-americanas, nas quais a oferta de tacos e burritos se multiplicam. Nem em food truck os tacos viraram sensação por aqui.

A mexicana é uma das gastronomias mais influentes e universalizadas (o dinamarquês Noma se recriou por lá alguns anos atrás). Apesar disso, o brasiliense só abriu-se ao tempero condimentado sobre tortilhas de milho quando o chef David Lechtig chamou a atenção do público em cores vivas na pertinente decoração kitsch alusiva ao Día de los Muertos, em 1995, no restaurante da 404 Sul, então chamado de El Paso Texas.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
David Lechtig, mentor e chef executivo do El Paso: identidade latinoamericana

 

Num retrospecto dessas mais de duas décadas de funcionamento, percebo que o El Paso atravessou todas as ventanias novidadeiras desta seara até chegar a este 2018 como o mais longevo restaurante-bar do gênero do Distrito Federal em atividade. Mas não completou este percurso sem se reformular. Houve um tempo em que rivalizou com o Chili Pepper, na 16 Sul – a casa chegou a ser uma referência das baladinhas universitárias regadas a tequila.

Atualmente, não há mais esse pujança da rivalidade. A oferta precisou ser maior para comportar um crescente público com capacidade financeira de acesso a restaurantes. Em Águas Claras surgiu o Taco Pep, um tex-mex supergenérico que migrou para o Pier 21 não há muito tempo. Na Quituart há um box chamado Mexicaliente, cujo tempero (ou melhor, a falta dele) não me agrada. Na Asa Sul abriu no início do ano o Cozumel Mex Bistrô, igualmente conservador no uso dos temperos.

Na Asa Norte, havia o Mucho Gusto, que imagino tenha trocado de proprietário (não consegui contato até esta publicação). Apareceu no Festival Gastronômico do Iguatemi em julho, com uma guacamole amarga e bom molho de pimenta, mas não sei a quantas anda a loja física. Há bons drinques e umas fajitas fumegantes também no Sí Señor, franquia de um bar paulistano que fica meio escondida dentro do ParkShopping.

Mas o fato é: El Paso é o único a reproduzir alguma coisa no espírito da cozinha mexicana, ainda que abstenha-se do usual calor típico que lhe rendeu fama mundo afora, evitando desagradar o paladar burguês brasiliense avesso à picância.

Digo isso pois Lechtig, embora não seja um chef contemporâneo em busca de novidades, criações contemporâneas etc., resume seu trabalho à sua própria identidade pessoal, que é intercontinental. De ascendência judia-romena, nascido no Peru e criado na Guatemala, David conhece bem o México e o centro-sul dos EUA (da culinária tex-mex).

Sua ligação com os temperos e produtos latinos compõe a grande potência do El Paso, que hoje se expandiu compondo uma rede com três endereços, cada qual com uma particularidade: no Terraço Shopping mais familiar, na Asa Norte meio executivo, de happy hour, e na Asa Sul, mais animado no período noturno e diverso. A casa original, vale lembrar, é também a mais completa.

O El Paso há muito deixou de ser uma referência apenas de cozinha mexicana, como seus pares contemporâneos, escorados no repertório básico do chili con carne, fajitas, quesadillas, burritos e enchilladas, acompanhados de guacamole, creme de queijo, salsa e sour cream. David agregou à casa uma cevicheria, pratos típicos peruanos, mas flertes com outras regiões da América do Sul e América Central, como as bolivianas salteñas e as salvadorenhas papusas de queso.

Da própria tradição mexicana, sinta-se sortudo se topar com frango ao mole poblano de guajolote (molho à base de chocolate e pimenta) ou com mole de chapulin (grilos avermelhados que inspiram o figurino do herói desastrado mexicano de Roberto Bolaños). Esses são pratos mais difíceis de aparecer no menu, relegados a ocasiões especiais, como no Dia de Finados.

Gustavo Gracindo/divulgação
Ají de camarões: prato tipicamente peruano baseado em molho cremoso de pimenta-amarela

 

A veia peruana, contudo, é muito forte. Baseado em receitas tradicionais, o bufê do almoço (R$ 48,90) costuma agregar causas (acepipes de batatas frias), papas rellenas (batatas recheadas e empanadas) e, claro, ceviche de peixe branco. Este último prefiro solicitar à la carte.

No serviço volante acoplado aos pratos dispostos no aparador, o ceviche costuma chegar à mesa muito irregular. Parece feito às pressas, cortes muito graúdos, leite de tigre (marinada típica) um tanto desequilibrado e o uso da tilápia. Embora diminua o custo operacional, o prato requer uma carne de peixe mais suculenta e menos terrosa.

Ao pedir o cardápio na unidade da 404 Sul, há oito possibilidades de ceviches. Alguns atípicos, como o de camarão ao creme de leite de coco ou o polvo ao creme de salsão. Dentre os pratos quentes, ali também se encontram receitas clássicas do repertório peruano – devendo muito da pimenta, em respeito ao paladar apolíneo do brasiliense médio. É o caso dos ajis (cremes de pimenta-amarela) de camarão e de frango. Muito saborosos, com lascas de castanha misturadas ao molho denso, mas com pouca picância.

A coquetelaria do El Paso também se traduz num capítulo à parte para a experiência do restaurante e bar de pegada tex-mex. Embora muito afeita aos frozens, se sai muito bem quando se propõe a fazer bebidas de verdade. As margaritas costumas chegar à mesa impecáveis. Destaco duas ótimas: a clássica, que tem o limão por base; e a tangerina com pimenta (misturada com o sal na borda), que eleva o grau de adstringência do drinque.

divulgação
Michelada: cerveja temperada com molho de tomate, tabasco e molho inglês

 

Costumo, como prática de avaliação do bartender, solicitar um daiquiri, independentemente de havê-lo relacionado na carta. Eis um drinque tão essencial quanto simples que raras casas conseguem acertar. Nem no cubano da Vila Planalto o encontrei em proporções satisfatórias, a retinir nos lábios o dulçor ácido do limão com a aridez perfumada do rum. O bartender que consegue entregar um belo daiquiri é muito confiável.

Qual não foi minha surpresa quando o daiquiri chegou à mesa na forma de… frozen. Aquela montanha gélida serve como distração de universitários, a meu ver. Entrega forma mas não conteúdo. O teste foi para o saco, mas a carta de drinques do El Paso é extensa e diversa o suficiente para se avaliar. Um bom starter para a seção licorosa do menu, para mim, é a típica michelada. A cerveja mexicana temperada com tabasco, molho inglês, salsa e sal, retém a dose de picância que falta em muitos dos pratos.

Dos drinques mais bacanas, o long island iced tea faz uma revisão do jack’n’coke, substituindo o uísque com uma combinação de três outros destilados: vodca, gim e tequila. Particularmente não gosto de bebida com refrigerante, mas este chama a atenção pelo tamanho da jarra-copo em que é servido. Faço mais o tipo pisco sour (bem equilibrado) e piña colada – coquetel ensolarado e cremoso no qual mistura-se coco, abacaxi, rum e creme de leite.

Vencida a carta de bebidas, a seção de sobremesas só me é interessante pelo belíssimo pastel tres leches de David: um bolo gelado, supermolhado com leite, chantili e uma bola de sorvete. Em alguns casos já o recebi com doce de leite. Em raras situações, também já o encontrei solado.

Este é um dos problemas mais cruciais da cozinha do El Paso: padrão de corte e cozimento muito volátil. Há dias e dias. Na última quarta, por exemplo, comi um ótimo taco de camarão no bufê e a costela suína ao barbecue estava quentinha, tenra e com o molho em acidez controlada. As tortilhas, entretanto, passaram um pouco do ponto. Minha cunhada adorou o amargorzinho a mais. Eu dispenso.

Na evolução do El Paso Texas, a casa passou a El Paso Cocina Mexicana, derivou-se para o El Paso Latino (que era um corredor dentro da loja da 404) e no El Paso Fiesta (espaço para eventos), mas hoje não precisa mais de rótulos.

David optou pela simplicidade. Chame apenas de El Paso, pois falamos de um restaurante que tem como primeiro acesso a combinação de chili com margarita, mas que se abre para desvelar a riqueza das culturas culinárias latino-americanas, ainda que nem sempre sustente no bufê essa diversidade gastronômica.

El Paso
Na 404 Sul, bloco C, loja 19, (61) 3323-4618. De terça a quinta, das 12h às 15h e das 18h à 0h; sexta e sábado, das 12h às 16h e das 18h à 0h30; domingo, das 12h às 16h e das 18h às 23h

Na 110 Norte, bloco B, (61) 3349-6820. De terça a quinta, das 12h às 15h e das 18h à 0h; sexta e sábado, das 12h às 16h e das 18h à 0h30; domingo, das 12h às 16h e das 18h às 23h

No Terraço Shopping, 1º piso, Octogonal, (61) 3233-5197. De segunda a quinta, das 12h às 15h e das 18h à 0h; sexta e sábado, das 12h às 16h e das 18h à 0h30; domingo, das 12h às 16h e das 18h às 23h

Desde 1995

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