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Passaporte à venda. Tratar no consulado

Em tempos de patriotismo na veia, pode soar estranho ao brasileiro, principalmente àquele se acostumou a se enrolar no manto verde e amarelo e ir protestar na Esplanada dos Ministérios, o fato de que, na realidade, o mundo está cada vez mais globalizado e a cor que mais importa é a verde, do dólar! Existe […]

Autor Delio Cardoso

atualizado

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1 de 1 miami - Foto: Divulgação

Em tempos de patriotismo na veia, pode soar estranho ao brasileiro, principalmente àquele se acostumou a se enrolar no manto verde e amarelo e ir protestar na Esplanada dos Ministérios, o fato de que, na realidade, o mundo está cada vez mais globalizado e a cor que mais importa é a verde, do dólar!

Existe uma espécie de república internacional virtual, sem bandeira definida, comandada por quem tem muito dinheiro no bolso. Estamos falando da proliferação de países que aceitam “vender” sua cidadania. É isso mesmo que você leu, países importantes e outros nem tanto, têm cada vez mais aceitado negociar um valor, a título de investimento em sua economia e, em contrapartida, oferecem seu passaporte com vantagens locais e internacionais. Batizados suntuosamente de CIPs (sigla em inglês para Citizenship by Investment Programs), em português livre, Programa de Investimento em Cidadania, estas negociações são uma febre entre os mais abonados e uma alternativa segura para aqueles investidores oriundos de países bloqueados politicamente, tipo Irã, Cuba, Nigéria, Venezuela, Síria, China etc.

Esqueça visto e outras burocracias para morar na Europa, por exemplo. A partir de 500 mil euros, você compra um imóvel em Portugal e passa a ter direito a morar e trabalhar naquele país, podendo circular livremente por 26 países da comunidade europeia. Após 6 anos, automaticamente, se garante a cidadania portuguesa, que será estendida aos seus familiares, naquilo que os portugueses denominaram chamar de Programa Golden Visa. O mesmo tipo de investimento, com benefícios, está disponível em outros países, como a Bulgária e Chipre. Na Bulgária, nem sequer é exigida a compra de um imóvel, basta investir o equivalente a U$ 560 mil dólares, em papéis do governo, e seu acesso a 170 países estará garantido. Isso significa liquidez e rapidez no retorno do seu investimento.

Os CIPs mais pertos do Brasil estão situados nos países do Caribe. Aliás, os programas nasceram naquela região, em 1984, e se tornaram mais populares a partir de 2009, quando o mercado se abriu e os investimentos aumentaram substancialmente. Antígua e Barbuda, St. Kitts e Nevis e Dominica, na necessidade de atrair recursos estrangeiros, oferecem programas de cidadania a partir de U$ 100 mil dólares. Uma barganha se comparados com Portugal. No Caribe, as vantagens ultrapassam a cidadania e são vistas como investimentos protegidos das garras do fisco, principalmente para os cidadãos americanos.

Com o sucesso crescente dos CIPs os Estados Unidos, Inglaterra e Canada mergulharam no negócio, porém de forma mais agressiva. Nos EUA, talvez o mais difícil de todos, um visto de investidor não sai por menos de U$ 500 mil dólares. Quem tem um dinheiro guardado e quer investir e viver nos Estados Unidos deve se apressar. A partir de 21 de novembro, ficará 80% mais caro conseguir o chamado visto EB-5, que dá direito a residência permanente a estrangeiros que investirem no país, após 5 anos, mas sem garantias do resultado. Os ingleses, por sua vez, estão correndo para obter um passaporte irlandês, receosos do isolamento que o Brexit irá gerar, ainda este ano. Verdadeira torre de babel.

Apesar de muito controversa esta é uma indústria em crescimento acentuado. O mais recente membro deste clube é Montenegro, pequeno país no Mediterrâneo, que anunciou já estar recebendo aplicações para um lote de dois mil passaportes disponíveis. Cada um vai custar U$ 274 mil dólares, que serão aplicados em projetos de desenvolvimento, acrescidos de uma taxa de aplicação no valor de 100 mil euros.

A Georgia e o Cazaquistão estão na fase final dos trabalhos para criar os seus programas, além de vários outros países da península balcânica. O poder econômico parece estar, neste século, mais poderoso e temido do que os tanques de guerra ou ogivas nucleares, no passado. A ONU não fala mais em intervenção militar, mas em sanções econômicas que visem estrangular a saúde financeira do país infrator, em um mundo cada vez mais globalizado e integrado.

Assim, a compra de vários passaportes e cidadanias virou um verdadeiro ativo financeiro, a exemplo dos cartões de crédito, que significavam, antigamente, demonstração do poder de compra do cidadão. Hoje, como símbolo de status, ao invés de comprar um carro esportivo ou uma casa na praia, o cidadão apresenta um maço de passaportes no bolso com múltiplas cidadanias e pode se gabar.

E o patriotismo? Que tal refletir sobre a declaração do Daniel Alves, capitão da seleção brasileira que, em entrevista esta semana ao G1, ao ser perguntado se preferia ouvir o hino nacional ou “Papai, te amo”, respondeu: “Não vou ser hipócrita, prefiro ouvir ‘Papai, te amo’”. Nada contra o sentimento paternal, mas a reflexão que fica é a de que estamos vivendo um paradoxo, onde o bem-estar pessoal já se sobrepôs ao “velho” patriotismo do passado. Sinal dos tempos.

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