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A polêmica do leite condensado expôs como cada ideologia usa os dados em busca de um viés

A revelação do Metrópoles sobre gastos do governo federal com alimentação evidenciou o jornalismo de dados e alimentou o debate ideológico

Lilian Tahan

atualizado

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Na esteira da polêmica do leite condensado, item de supermercado tão consumido pelos brasileiros e que se tornou estrela da recente controvérsia envolvendo gastos do governo federal, surge um produto de prateleira exposto na gôndola da comunicação: o jornalismo de dados. Artesanal, custoso e por vezes sofisticado, entrou, recentemente, no cardápio das redações brasileiras.

O levantamento de dados pode ser um dos mecanismos mais eficientes para ajudar as pessoas a compreenderem contextos, interpretarem circunstâncias, compararem realidades. Quando bem utilizada, essa ferramenta é poderosa, porque parte de fatos incontestes: os números. E costumamos aprender nas primeiras séries escolares que não há o que tergiversar quando a conta é matemática. O clássico dois mais dois somam quatro.

Mas o redemoinho da política de extremos em que nos metemos relativizou até os conceitos cartesianos.

No último domingo (24/1), o Metrópoles publicou a seguinte reportagem – Mais de R$ 1,8 bilhão em compras: “carrinho” do governo federal tem de sagu a chicletes.

A matéria foi produzida pelo núcleo de dados do Metrópoles: uma editoria que poucos veículos de comunicação mantêm sistematicamente em suas estruturas, porque é cara, trabalhosa e difícil de reunir gente especializada.

A base da reportagem que pautou as redes sociais nas últimas 72 horas são os números. Não quaisquer números. Mas os oficiais, disponíveis no Portal de Compras, que fica abrigado na página do Ministério da Economia.

O volume de informações de uma burocracia do tamanho do governo federal é gigantesco. Há uma infinidade de consultas e de recortes possíveis. E, por isso mesmo, o próprio sistema oficial oferece uma série de filtros e caminhos que qualquer cidadão pode percorrer até encontrar os números.

Com experiência em jornalismo de dados, a perspicaz e competente repórter Rafaela Lima garimpou as informações que viraram base para a matéria sobre o carrinho de compras do governo federal.

A jornalista tem como rotina esse tipo de pesquisa. Dedica-se sistematicamente a buscar dados em plataformas oficiais. Já produziu, ao lado de seus colegas de editoria, centenas de matérias a partir dessas planilhas.

Muito bem, o que se viu nos últimos dias é democrático. Cada um lê o que quer, interpreta como quer e faz uso como achar mais conveniente. O que não significa que seja honesto.

A matéria do Metrópoles contém dados inquestionáveis. Todos devidamente comprovados com prints do próprio sistema do governo. A reportagem explica didaticamente que os valores achados referem-se a todos os gastos pagos pelo governo federal com alimentação nos anos de 2019 e de 2020.

Disputa ideológica

Mas como na disputa ideológica dois e dois não são quatro, a reportagem virou uma bandeja de canapés servida aos críticos do governo. E aí vieram os recortes ao gosto do freguês. O mais indigesto dá conta de que Jair Bolsonaro teria consumido, sozinho, R$ 15 milhões em leite condensado. É mentira. E ele vomitou a indignação na imprensa, mandando os repórteres tomarem (o leite condensado) no rabo.

O correto, e isso está explicitamente na matéria, é que esse produto foi comprado para abastecer diversos órgãos do governo federal. O Ministério da Defesa justificou, e está publicado na reportagem também, que o leite condensado e os demais produtos citados no levantamento fazem parte da dieta de milhares de soldados. Está tudo lá. Em resumo, o governo apontou que as despesas com alimentação abrangem grandes grupos, como os de militares, estudantes, beneficiários de programas sociais, servidores públicos.

Os políticos surfaram na onda, pedindo a CPI do Leite Condensado. Mais interessados na piada, muitos internautas foram à loucura, produzindo uma enxurrada de memes, como se Jair Bolsonaro tivesse sozinho se empanturrado do doce no café da manhã. Não foi isso o que dissemos. Não é isso o que está escrito. E, honestamente, não é este o debate que contribui para uma sociedade mais atenta aos gastos públicos e um governo mais transparente.

De tudo o que foi pontuado na reportagem que deu origem a toda esta polêmica, é preciso compreender se os gastos foram realizados dentro de um contexto de economicidade, de necessidade e de bom senso. Nós puxamos o fio desta meada. Desde então, muitos colegas se juntaram na meta para ir mais fundo. Saudável, necessário e absolutamente previsível em um país de imprensa livre.

Ninguém espera que um exército seja alimentado a pão e água. Não é isso. Mas é absolutamente razoável que os brasileiros possam conhecer os suprimentos que eles próprios bancam para alimentar suas tropas. Afinal, quem paga este boleto de supermercado são todos os cidadãos.

A partir da repercussão da matéria, notamos que muitos jornalistas não tinham familiaridade com os caminhos e possibilidades que os portais oficiais oferecem em termos de dados. Desde o dia da publicação, houve aumento significativo das consultas. E o governo decidiu aplicar mudanças para tornar, segundo afirmam técnicos, o processo mais amigável. Se as alterações forem no sentido de abrir, tornar mais fácil e mais transparente todo o processo, terá valido a pena.

O Portal da Transparência é uma conquista dos brasileiros desde 2004. A reportagem, como tantas outras realizadas pelo Núcleo de Dados, reforça o que sempre quisemos mostrar: existe um rico universo de dados que a população tem acesso e direito a consultar. É missão do jornalista fazer a ponte entre um sistema pouco amigável e a população. Mais do que isso: chamar a atenção para possíveis excessos e questionar as autoridades quando for necessário. Quanto mais gente conhecer a plataforma, mais transparente será a dinâmica dos gastos públicos.

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