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Luzes, sombras e ilusões de realidade: peripécias na arte eletrônica

A mostra erguida pelo Festival Internacional de Arte Eletrônica (File) é bem amigável e acolhedora

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Bernardo Scartezini/Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre2 - Foto: Bernardo Scartezini/Metrópoles

Sim, você pode tocar este objeto de arte. Pode apertar botões e sacudir controles remotos. Pode se dependurar e eventualmente se deitar sobre engenhocas eletromecânicas. Chegando ao Centro Cultural Banco do Brasil, basta se deixar levar pelo frenesi das crianças e ficar atento aos gritinhos de júbilo que escapam por entre as austeras portas das galerias de arte.

Este título de “A Arte Eletrônica na Era Disruptiva” é mui instigante e deve soar bacana para os pesquisadores da arte contemporânea. Porém, no que toca ao prezado visitante, a mostra erguida pelo Festival Internacional de Arte Eletrônica (File) é bem mais amigável e acolhedora do que esse nome de “disruptiva” pode fazer supor.

Evento anual, o File parte de São Paulo e toma a estrada a cada vez, atingindo outras cidades do país. Desta feita, chega à capital federal. Sob concepção e organização dos curadores Ricardo Barreto e Paula Perissinotto, o brasiliense de todas das idades pode se aventurar pelo terreno da arte eletrônica produzida atualmente por dezenas de artistas de variadas formações, procedências e propostas.

E cabe avisar que esta é uma aventura comprida. Apenas de vídeos de animação, eles são tantos, tantos, tipo uma centena deles que, exibidos simultaneamente em oito estações de televisão-e-auriculares, demandariam uma resenha (e até mesmo uma visita) só para si.

Assim como os jogos infantis, verdadeiras recriações em engenharia eletrônica das traquitanas de antigos parques de diversão.

De resto, seguem aqui alguns pontos altos da brincadeira…

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No piso inferior da galeria principal do CCBB, uma instalação contorna boa parte da parede curva da sala, emprestando luz para todo o ambiente. Precisamente, emprestando 18 mil luzes LED.

Essas tiras  de LED são exatamente aquelas que você pode comprar na comercial da 109 Sul. Com tão prosaico material, a dupla holandesa Polymorf tem roda galerias de arte europeias levando sua instalação “Hardwired”. Uma obra que pode assumir diferentes formatos e extensões. Marcel Van Brakel & Frederik Duerinck criaram uma espécie de arquitetura cintilante e radiante, ao mesmo tempo tecnológica e orgânica.

Tecnológica porque cada luzinha LED, além de sua natureza elétrica, funciona como um pixel de vídeo, uma unidade mínima de informação. Orgânica porque o piscar das luzes, pipocando uma aqui, outra ali, algumas acolá, todas juntas de repente, sugere as sinapses cerebrais, aquelas mini-descargas elétricas de neurônio para neurônio.

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Vale pensar que tal noção de luzes cambiantes, cores que se movem e se sobrepõem, pode ser entendida de certa forma como a natureza da pintura. Faz sentido, portanto, que esta mostra de tecnologia de ponta recorra, lá pelas tantas, à tão ancestral linguagem.

Vincent Van Gogh (1853-1890), conforme aprendemos nos manuais de história da arte, extrapolou as convenções da representação artística de sua época ao sugerir, através do movimento das pinceladas e do volume das massas de tinta que imprimia à tela, a forma como percebemos as cores do mundo e os elementos naturais mais intangíveis, como o vento que balança um cipreste, o espaço entre as luzes que brilham no céu noturno.

“A Noite Estrelada” (1889), uma das obras-primas do mestre holandês, aqui é tomada emprestada pelo grego Petros Vrellis para uma animação interativa. Através de um tablet, o prezado visitante que mover seus dedos sobre a tela pode criar ali ao vivo mais e mais movimentos sobre os traços de Van Gogh.

Não deixa de ser um pequeno milagre que a obra de tão atormentado artista tenha se tornado, através desse trabalho de Vrellis, uma peça lúdica que entretém as crianças ao mesmo tempo em que aponta singelamente para a elástica distância entre realidade e representação.

(Essa forma híbrida de arte tecnológica e, digamos, pintura interativa também anima a “Kage-Table”, do coletivo japonês Plaplax. Aqui recuamos alguns séculos na história da arte para jogar com as sombras. Ou melhor, as falsas sombras coloridas que brotam de uma mesa branca assim que o visitante toca nos cones que formam a peça.)

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Essa dinâmica de luz e sombra, esse vaivém entre realidade e representação fica um tantinho mais denso no trabalho “Simulacra”, uma das duas contribuições da alemã Karina Smigla-Bobinski para esta mostra.

A artista define esta peça como “disposição experimental optofísica”… Bem, de fato, se trata de um objeto assaz peculiar. Pendendo do teto, quatro painéis de monitores LED formam uma espécie de quadrilátero. Diante de cada uma de suas faces, algumas lupas presas por correntes se oferecem às mãos dos visitantes mais curiosos.

O camarada que se aproximar e se afastar do quadrado branco, olhando para o objeto através da lupa, começa a enxergar cores que não parecem estar lá, começa a entrever figurais indefiníveis e, dependendo do ângulo de visão alcançado, pode se deparar com fugazes e desconfortáveis formas humanas.

E mais do que isso não convém dizer por aqui, sob pena de, na tentativa de decifrar o procedimento de Karina, estragar a real experiência que sua obra guarda.

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Mais adiante, cruzando o cerrado do terreno do CCBB até chegar ao chamado Pavilhão de Vidro, encontramos a outra contribuição de Karina Smigla-Bobinski para esta mostra.

“ADA” é a sigla em alemão para “instalação cinética interativa analógica”. Pois então… Um quartinho de paredes brancas abriga em seu interior uma gigante bola inflável de plástico. Mas o objeto não é perfeitamente esférico porque, ao redor de toda sua face externa, tem pequenas arestas, cada uma delas com um pedaço de carvão na ponta.

Mais parece um porco espinho transparente e cheio de ar. Em vez de espetar, no entanto, a simpática e pacífica “ADA” apenas suja tudo ao seu redor de pó preto de carvão. Suja o tempo todo, cada pedaço de parede, teto e chão em que encosta – sujará até a ti, notável aventureiro da arte contemporânea a entrar naquele quartinho para ficar quicando a “ADA” de canto a canto.

E então, lá vai você, sair de uma exposição de arte eletrônica todo sujo de carvão.

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