Grupo de rezadeiras preserva tradição na Fercal
Coletivo é um dos responsáveis pela novena de Nossa Senhora da Conceição e conserva histórias de mais de 200 anos
atualizado
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O caminho para a Fercal revela aos marinheiros de primeira viagem um cenário singular. Na margem esquerda da DF-150, de quem sai do Plano Piloto, no quilômetro 11, encontra-se a Rua do Mato. Aqui, neste pequeno vilarejo, não há vestígios da cidade grande. Talvez a fórmula para voltar no tempo esteja guardada nas ladeiras pedregosas que desenham a paisagem do local. Por entre vielas, surge um córrego de água cristalina, o Ribeirão Contagem. Após sua travessia, uma capela azul guarda uma surpresa: o grupo de rezadeiras da Legião de Maria.
Atualmente formado por sete mulheres, o coletivo é um dos responsáveis por organizar e manter viva a secular novena de Nossa Senhora da Conceição. Celebrada entre 29 de novembro e 8 de dezembro, a festa reúne cerca de 250 pessoas diariamente. No encerramento, o número de visitantes sobe para 800. Essas senhoras ilustram um ciclo de mais de 200 anos de lembranças e fé. Elas guardam em cada ruga a missão de perpetuar o legado dessa tradição.
O hobby de todas é o mesmo: orar. Além dos nove dias, a congregação se reúne todo primeiro sábado do mês para rezar o Santo Rosário. “Cada promessa que eu fiz nessa vida foi atendida”, relata a aposentada Delite Alves dos Santos, 66 anos. Nascida em Planaltina, Delite veio para a Rua do Mato em 1949. Ela conta que o pai era andarilho e conseguiu uns lotes nesta região, antes conhecida como Vão do Buraco. Quando criança, ouvia as ladainhas e memorizá-las era algo muito natural. Muitas delas eram entoadas em latim. “Eu não sei o português direito, mas sabia rezar tudo em latim”, brinca a aposentada.
Promessa
Existe uma oração própria do festejo. Ela é cantada às 19h de cada dia da novena. As famílias são responsáveis por ensinar às crianças o sermão. Mas caso alguém esqueça um verso, a paróquia distribui um livrinho com a pregação. Segundo a também aposentada Maria do Socorro Araújo, 63 anos, a novena surgiu como uma forma de agradecimento: “O córrego estava secando. Para evitar que a água acabasse, foi feita uma promessa a Nossa Senhora da Conceição. Desde então, o rio nunca secou”.
No altar da igreja, acima da imagem de porcelana da padroeira, fica uma menor, de madeira. “Essa foi encontrada dentro do ribeirão há muito tempo”, explica a dona Francisca Maria Ribeiro, 69 anos. De acordo com a paraibana, natural de Catolé do Rocha, a imagem resgatada foi utilizada pelas três famílias que deram origem ao povoado: os Coletas, os Gomes e os Dos Anjos. Hoje, avós, filhos e netos não poupam esforços para que a história da comunidade seja anualmente muito bem celebrada.
Devoção
Por vários dias, as famílias de todo o povoado se envolvem com a preparação de biscoitos e bolos. Os quitutes são distribuídos aos devotos. Boi, frango, pernil e até ovos são leiloados. “Uma galinha, normalmente, vendida por R$ 20, é arrematada por até R$ 100”, comenta Silvio Rodrigues dos Anjos, um dos atuais encarregados pela organização da festa. Em suas conversas, o entusiasmo e devoção se fazem vivos. De acordo com ele, as pessoas esperam o ano inteiro pela novena: “Antigamente, muitos acampavam na frente da igreja”.
Capelas de outras regiões também se unem durante a celebração. No último dia, um grande almoço é oferecido aos fiéis. O prato principal: galinhada. “Nem chuva, nem relâmpago atrapalham o nosso festejo. Não há obstáculo para a gente”, afirma Anjos.