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Modelo de negócio é inviável com entregador CLT, diz diretor do iFood

Para João Sabino, diretor do iFood, a maior parte dos entregadores não deseja ter vínculo empregatício com a plataforma de delivery

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Divulgação / iFood
Imagem colorida mostra entregador do iFood andando de bicicleta pela ciclovia da avenida Paulista, em São Paulo - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra entregador do iFood andando de bicicleta pela ciclovia da avenida Paulista, em São Paulo - Metrópoles - Foto: Divulgação / iFood

Melhorar as condições de trabalho de entregadores e motoristas de plataformas de delivery, como iFood, e de aplicativos de transporte, como Uber, é uma demanda que volta e meia está no noticiário. Sem poder contar com qualquer tipo de proteção social e com jornadas extensas, ele estão fora do mercado de trabalho tradicional. Mas não se pode matar o modelo com camisas-de-força que o inviabilizem.

Para João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood, é urgente e necessária a aprovação de uma regulamentação do trabalho de entregadores e motoristas no Brasil. O iFood é a maior plataforma de delivery de refeições e produtos do mercado local, com cerca de 250 mil entregadores ativos. Se considerarmos todos os que já fizeram cadastro e trabalharam em algum momento no aplicativo, são cerca de 1 milhão de brasileiros — que, sem essas empresas, teriam ficado desempregados e sem fonte de sustento.

“Entendemos que precisamos discutir a inclusão previdenciária dessas pessoas, o estabelecimento de ganhos mínimos e a melhora da transparência entre aplicativo e entregadores, principalmente no quesito de precificação e remuneração. Há uma série de coisas que precisam avançar, mas da forma correta”, diz Sabino, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.

O executivo diz que a empresa discute desde 2019 como melhorar as condições de trabalho de seus entregadores e garantir a sustentabilidade da plataforma.

O iFood e outras empresas que fazem parte da Amobitec (associação que representa também a Uber, 99 e ZéDelivery) defendem a inclusão dos seus  “parceiros” em um modelo que não seja o do vínculo empregatício e nem o de empreendedor individual. A definição exata de como será a relação de trabalho dos entregadores deverá vir em negociações com o Congresso e, principalmente, com o novo governo.

Durante a campanha,  Luiz Inácio Lula da Silva falou, em mais de uma ocasião, em “legalizar” a profissão dos entregadores.

“O povo quer e precisa de trabalho decente. Não quer fazer bico ou biscate, entregar comida sem ter direito a descanso semanal remunerado, férias e recesso no Natal e Ano Novo”, afirmou Lula, durante um comício em setembro, em São Paulo.

Para Sabino, a formalização dos entregadores traria problemas de continuidade da prestação de serviços pelas plataformas.

“O modelo de negócios do iFood não será viável se inserirmos esses trabalhadores no modelo de formalidade existente no Brasil. A dinâmica de trabalho dos entregadores é oposta ao que estabelece a CLT, principalmente no que diz respeito à flexibilidade de horários”, afirma o diretor de políticas públicas do iFood.

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Leia abaixo a entrevista completa:

Como você vê as discussões para regulamentar a profissão dos entregadores de aplicativos?

O iFood enxergou em 2019, antes da pandemia, que o modelo de trabalho de entregadores e motoristas traria um grande debate sobre a relação entre capital e trabalho. Começamos a nos planejar para isso, montamos uma área de políticas públicas dentro da empresa, com diversas verticais de atuação – desde o debate com parlamentares e formuladores de leis até grupos de trabalho para ouvir o que desejam nossos entregadores.

E o que desejam esses trabalhadores?

Pesquisas mostram que dois em cada três entregadores do iFood não querem ser inseridos na CLT. Mas, para nós, isso não é um ponto final na discussão, sim um ponto de partida. Somos uma empresa local, temos uma grande operação no mercado brasileiro e, acima de tudo, temos responsabilidade social com o país e com o ecossistema de entregadores. Entendemos que precisamos discutir a inclusão previdenciária dessas pessoas, o estabelecimento de ganhos mínimos e a melhora da transparência entre aplicativo e entregadores, principalmente no quesito de precificação e remuneração. Há uma série de coisas que precisam avançar, mas da forma correta.

O que seria um avanço prudente, nesse caso?

Temos 250 mil entregadores ativos, que fazem pelo menos uma entrega por mês. A forma com que esses parceiros distribuem o tempo de trabalho é diversa. Temos, por exemplo, entregadores que saíram da plataforma agora em dezembro, pois conseguiram trabalho no comércio, que abre muitas vagas no final do ano. Depois, boa parte deles voltará a atuar na plataforma. É comum que um trabalhador nosso seja entregador, motorista de aplicativo e que faça outros bicos, tudo ao mesmo tempo. São atuações concomitantes, 70% deles trabalham por até 3 horas por no dia no iFood e faz o restante das horas de trabalho em outras coisas. Eu estou dizendo tudo isso para mostrar que a flexibilidade é um ponto essencial para essas pessoas. Muitos dos nossos entregadores priorizam a plataforma porque não querem ter um horário e uma rotina fixa, não querem ter um patrão e querem programar a própria rotina.

Muitos fazem isso também porque não conseguem se manter com apenas um emprego. Como equacionar a remuneração dos trabalhadores?

Mesmo nossos entregadores que trabalham até 3 horas por dia na plataforma têm uma remuneração que representa uma vez e meia o valor-hora de um trabalhador que ganha um salário mínimo. Os que trabalham por mais tempo e todos os dias ganham ainda mais do que isso. Isso não significa, no entanto, que esses entregadores não devam contar com uma rede de seguridade social, como a possibilidade de se aposentar, de receber auxílio-doença e até de sair em licença maternidade, para o caso das trabalhadoras. Sabemos que, para isso, será necessária uma nova regulação.

Qual seria o modelo ideal dessa nova regulação?

Estamos discutindo e observando outros países que já tentaram regulamentar os trabalhos da nova economia. A conclusão é que, até aqui, nenhuma iniciativa se mostrou perfeita e não há nenhum modelo que possa ser replicado. Na Índia, por exemplo, houve a determinação de que os trabalhadores fossem incluídos no sistema previdenciário. Um ano depois, fomos ver o que aconteceu lá e chegamos à conclusão de que não funcionou, porque os governos locais não regulamentaram a lei aprovada pelo governo central.

Aí olhamos para o modelo espanhol, que estabeleceu o vínculo empregatício entre entregadores e plataformas, e também não funcionou. Depois da mudança nas regras, duas das maiores empresas de delivery saíram do país. Uma terceira ficou, mas decidiu terceirizar a administração contratos dos empregadores e não tem dado certo, pois as empresas terceiras também não seguem o que determina a lei. A fiscalização ficou mais difícil: agora temos dezenas ou centenas de empresas contratando empregadores. Quem decidiu seguir a lei perdeu mercado, porque os próprios entregadores não quiseram prosseguir em plataformas que estabelecessem o vínculo empregatício. Acho o modelo da Espanha interessante, no aspecto da relação tripartite para as contribuições previdenciárias, mas há muito a ser aperfeiçoado.

O futuro presidente Lula falou durante a campanha em formalizar os entregadores. Qual a avaliação do iFood sobre isso?

Estamos prontos para iniciar o debate, apenas aguardando o convite do novo governo. Ainda é cedo para saber, porque o Lula não tem um ministro do Trabalho nomeado. Mas nós estamos prontos para contribuir.

Fornecer uma cobertura social para esses trabalhadores exigiria que as próprias plataformas fizessem contribuições financeiras e que promovessem descontos nos rendimentos dos entregadores para custear a seguridade. Vocês estão preparados para absorver esses custos? E os entregadores?

Estamos reunidos na Amobitech, associação que representa as maiores plataformas de entrega e de transporte, como Uber, 99, ZéDelivery e nós, o iFood. Todas essas empresas já disseram que concordam em pagar uma espécie de contraparte patronal, para que os entregadores contem com o mínimo de cobertura social. Isso está pacificado. Vamos encontrar uma forma de calcular as alíquotas e fazer as retenções necessárias.

Mas o que as pessoas precisam compreender é que nosso modelo de negócios não é viável se tivermos que transformar todos os milhares de entregadores em trabalhadores formais. Nem faria sentido, porque as características do trabalho são opostas. A maioria dos nossos entregadores é ocasional e não quer se sujeitar a uma única relação de trabalho.

Além da cobertura de direitos trabalhistas, como aposentadoria e descanso remunerado, o que poderia colaborar para a melhora da qualidade de vida dos entregadores?

Por exemplo: a maior parte dos entregadores é dona do próprio meio de produção (ou seja, trabalham com a própria moto e com os próprios equipamentos). Por isso, aparecem questões sobre o custeio da manutenção dos veículos e até sobre o pagamento de seguros contra roubos e acidentes. Sabemos que, pela própria característica das entregas, trata-se de um trabalho com risco de acidentes. Temos na pauta uma base de seguridade que não garanta apenas a aposentadoria, mas também uma cobertura para afastamentos por questões de saúde, lesão corporal e outras. Você vê? Cada aspecto dessa discussão abre uma janelinha e ali temos um mundo de possibilidades. Aqui, estamos preparados para discutir tudo.

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