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Exclusivo: diretores da Americanas venderam ações antes de rombo vir a público

Levantamento exclusivo do Metrópoles revela que diretores da Americanas venderam R$ 223 mi em ações antes de problema contábil ser conhecido

atualizado

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1 de 1 imagem colorida fachada loja americanas - Foto: Divulgação

Meses antes de a Americanas anunciar publicamente a descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço financeiro, diretores da varejista fizeram um movimento relevante de venda de ações.

Na última quarta-feira (10/1), a empresa informou a existência de “inconsistências contábeis” em seus últimos balanços, fato que, se confirmado como fraude, será o mais grave caso do tipo já registrado no mercado brasileiro.

Segundo levantamento exclusivo feito pelo Metrópoles, com base em documentos públicos fornecidos pela empresa para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a diretoria da varejista vendeu R$ 241 milhões em ações entre julho a outubro de 2022. No mesmo período, houve uma compra de ações pelos diretores no valor de R$ 18 milhões, o que resulta em saldo de venda de R$ 223 milhões.

Os documentos da CVM não revelam os nomes dos diretores que negociaram as ações. Segundo uma fonte do meio jurídico, possivelmente são executivos que ocupavam cargos da diretoria estatutária (com poder de decisão sobre a empresa) na época das operações.

O período com o maior volume de venda de ações pelos executivos foi setembro. Um mês antes, a empresa havia anunciado que Miguel Gutierrez, que presidiu a Americanas por mais de duas décadas, seria substituído por Sergio Rial, ex-presidente do Santander e um dos mais renomados executivos do mercado brasileiro.

A mudança no controle era vista como um fio de esperança para a varejista, que vinha de um longo período de resultados financeiros ruins e de aperto de margens. No trimestre anterior ao anúncio da nomeação de Rial, a Americanas amargou um prejuízo de quase R$ 100 milhões, causado principalmente por perdas na operação digital.

Ação em alta

Depois da indicação de que Rial seria o novo presidente a partir de janeiro de 2023, as ações da Americanas dispararam. Em agosto, a varejista subiu quase 17% na Bolsa. Os diretores que venderam seus papéis em setembro, portanto, fizeram um excelente negócio.

O ex-presidente do Santander permaneceu menos de 10 dias à frente da Americanas. Juntamene com o anúncio do rombo contábil, a empresa anunciou que Rial e o diretor financeiro, André Covre, renunciaram. A primeira interpretação é a de que os executivos decidiram sair ao descobrir a bomba.

Dona das marcas Lojas Americanas, Americanas.com, Submarino, Shoptime, o grupo que hoje representa a Americanas tem como principais acionistas os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. O trio é dono da gestora 3G, que detém 31% das ações da Americanas e é sócio de outros negócios, como a fabricante de bebidas Ambev e a gigante de alimentos Kraft Heinz.

Os dados da CVM mostram que as movimentações mais volumosas aconteceram na diretoria. Os sócios de referência (o trio da gestora 3G) não fizeram grandes vendas de ações.

Direção oposta

Chamou a atenção de investidores a decisão da diretoria de vender ações justo quando uma guinada parecia ter começado a acontecer. A saída estratégica levantou no mercado as suspeitas de que os problemas contábeis da Americanas poderiam já ser conhecidos internamente.

“Por que os diretores estavam fazendo isso? Eles não acreditavam na virada da Americanas, como todos acreditavam? Não apostavam na nova gestão?”, questiona Pedro Menin, fundador da plataforma financeira Quantzed.

Ele diz que o mercado estava tão deslumbrado com a indicação de Rial, que nem mesmo as vendas de ações de diretores foram suficientes para frear a valorização da Americanas na Bolsa.

Entre o dia em que Rial foi anunciado como novo CEO e outubro de 2022, véspera das eleições presidenciais, as ações dispararam 61%. A venda de R$ 223 milhões em ações foi um movimento contra a corrente.

Menin lembra que a Americanas tem mais de 150 mil investidores na pessoa física como sócios minoritários. Para essas pessoas, o que restou foi uma desvalorização de mais de 70% das ações num único dia, após o anúncio do rombo contábil, e muita incerteza sobre o futuro da empresa.

CVM está investigando

Em nota publicada na noite de ontem (12/1), a CVM disse que está “adotando todas as providências cabíveis para o adequado e cuidadoso esclarecimento de todos os atos, fatos e eventos com relação ao caso” da Americanas.

A autarquia diz que abriu processos administrativos em diferentes frentes. Até agora, são três processos abertos. Dois deles são públicos e um corre em sigilo.

Os dois processos públicos foram abertos para, primeiro, apurar a possível fraude contábil no balanço da empresa e, segundo, investigar se a comunicação do problema foi feita da forma adequada. A CVM pediu que a Americanas esclarecesse por que Sergio Rial convocou uma teleconferência fechada, organizada pelo banco BTG Pactual, a membros do mercado financeiro na manhã seguinte à divulgação formal do problema no balanço.

Por ser sigiloso, o terceiro processo não consta no sistema da CVM, mas, segundo apurou o Metrópoles, trata-se de uma verificação de possível vazamento de informações privilegiadas.

Além da venda volumosa de ações pelos diretores, outro fato a ser investigado pela CVM é a venda de opções de venda (derivativos usados por investidores para lucrar com a queda de ações) na véspera do anúncio do rombo contábil.

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