A BlackRock, maior gestora independente de recursos do mundo, com um patrimônio de US$ 8,7 trilhões (R$ 45 trilhões) sob gestão, está em compasso de espera. A falta de direção sobre a política fiscal e as incertezas quanto à capacidade dos bancos centrais (inclusive no Brasil) de colocar a inflação no eixo tornam turvo o cenário.
No Brasil, uma das variáveis que confundem é a falta de definição da política de controle de gastos pelo novo governo. Em entrevista exclusiva ao Metrópoles, Cristiano Castro, diretor do segmento de gestão de ativos da BlackRock Brasil diz que a pressão por uma nova âncora fiscal é para que o mercado deixe de navegar às cegas.
Castro diz que os gestores estrangeiros estão mais otimistas com o Brasil, por não acompanharem o “ruído político” local e por causa dos efeitos positivos da reabertura da economia da China, dado o fim das políticas de restrição sanitária. No entanto, a dose errada na política de juros pode levar a inflação para patamares elevados novamente.
“O investidor estrangeiro entende esses eventos de forma pragmática. A preocupação dele é com os indicadores econômicos e, principalmente, com qual cenário vai se desenhar para os próximos quatro anos. Os ruídos e decisões de curto prazo são menores”, diz Castro.
Confira abaixo a entrevista concedida por Cristiano Castro ao Metrópoles:
Como você vê a indefinição sobre a nova âncora fiscal, no Brasil?
É um período de ruído, em que o mercado fica muito contaminado com as notícias que aparecem. O que eu percebo é que o investidor global está menos pessimista, porque está mais construtivo em relação a ativos emergentes como um todo. O estrangeiro fica menos envolvido nessa dinâmica diária da política brasileira.
Qual seria a sinalização ideal do governo de equilíbrio das contas públicas, para acabar com o ruído?
Não construímos cenário-base para a política fiscal. O governo tem apenas um mês e muitas coisas já aconteceram. Enquanto esse discurso fiscal não estiver melhor desenhado, não podemos opinar. Mas é fato que o mercado tem feito pressão para que a regra seja elaborada o mais rápido possível, para que a navegação não seja mais às cegas.
O impacto negativo causado pelos ataques ao Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto no último dia 8 de janeiro já foi dissipado?
Acredito que sim. O investidor estrangeiro entende esses eventos de forma pragmática. A preocupação dele é com os indicadores econômicos e, principalmente, com qual cenário vai se desenhar para os próximos quatro anos. Os ruídos e decisões de curto prazo são menores.
Quais são os riscos e oportunidades para a economia brasileira em 2023?
O ano de 2022 foi o pior dos últimos 30 para os investimentos globais, principalmente em ações. No Brasil, foi menos complicado, apesar de tudo que aconteceu. Aqui, os juros elevados incentivaram os investimentos em renda fixa, então houve uma redução da percepção de risco e uma migração de ativos, com dinheiro saindo da Bolsa de Valores.
Para 2023, enxergo três temas principais. O primeiro é o mundo tentando digerir o impacto da alta dos juros nas economias desenvolvidas. Nesse aspecto, o Brasil está mais bem posicionado, não só porque o Banco Central começou esse trabalho de controle da inflação antes dos Estados Unidos e Europa, mas também porque o investidor local está habituado com ciclos de preços. Embora a inflação tenha ficado bem mais controlada desde o Plano Real, voltamos a eventuais cenários de inflação anual em dois dígitos, como foi em 2021.
Isso significa que o pior ficou para trás?
Apesar de os bancos centrais lá fora estarem sinalizando o fim do ciclo de alta de juros, acredito que o segundo tema para 2023 será a combinação de persistência inflacionária, por causa do aquecimento da economia da China, e desaceleração econômica. É um equilíbrio delicado, porque, se os bancos centrais apertarem muito os juros, a economia entra em recessão. Se não apertarem o suficiente, a inflação volta a ser um problema. A dose certa é difícil de acertar.
O que esperar para a Bolsa de Valores?
Os juros vão permanecer altos no exterior, o que vai obrigar o investidor brasileiro a repensar seu portfólio – esse é o terceiro tema. Acredito que a maior parte do efeito contracionista dos juros ainda não chegou às Bolsas de Valores, por isso não estamos tão otimistas com as ações.
Um exemplo desse fenômeno foi o fluxo de investidores brasileiros buscando ativos alternativos no exterior. Um caminho para isso são os ETFs (fundos de investimento que replicam o desempenho de índices de ações). Temos hoje mais de 100 BDRs (certificados de ativos estrangeiros) de fundos setoriais listados no Brasil, a maioria já disponível para o pequeno investidor. São ativos que buscam garimpar megatendências, como inteligência artificial, cybersegurança, robótica, veículos autônomos etc.
Quais setores empresariais devem se sair melhor, dado o cenário de juros mais altos?
Em cenários de juros altos, setores mais resilientes tendem a ter um desempenho melhor. As empresas de commodities, por exemplo, são mais sensíveis às questões globais, mas podem ter um 2023 bom, se a recessão for mais branda do que o esperado. A Bolsa brasileira tem um peso grande de commodities e bancos.
A BlackRock tinha 5% das ações da Americanas e quase zerou a posição, poucos dias após o comunicado sobre as inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões. Por que essa decisão foi tomada?
Não fazemos gestão ativa de ações no mercado local. O que aconteceu foi que esta ação, especificamente, foi retirada dos índices de referências, como o Ibovespa. A partir do momento em que Americanas perde espaço no Ibovespa, ou quando ela sai do índice, pela politica de investimento, também temos que tirar aquele ativo do nosso portfólio. Quando sai a notícia, parece que a gestora tomou a decisão de sair do papel, mas muitas vezes somos obrigados pelo mandato a fazer isso. Diferentemente de um fundo ativo onde o gestor tem o poder de tomada de decisão.