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Bolsonaro se contradiz sobre Alcântara e exagera ao falar de ICMS

Em encontro bilateral, Trump erra ao dizer que seu país tem o melhor desempenho econômico da história

atualizado

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Mark Wilson/Getty Images
Bolsonaro e Trump
1 de 1 Bolsonaro e Trump - Foto: Mark Wilson/Getty Images

Vontade de ampliar a cooperação e o comércio bilateral. Críticas ao socialismo e intenção conjunta de encontrar uma solução definitiva para a crise na Venezuela. Esses foram os principais pontos do pronunciamento feito à imprensa pelos presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos Estados Unidos, Donald Trump, em Washington nesta terça-feira (19). A Lupa acompanhou as declarações dadas por ambos em decorrência da realização desse encontro bilateral. Confira, a seguir, o resultado das checagens:

 

“Na vertente da defesa e da cooperação espacial, assinamos o acordo de salvaguardas tecnológicas, o que viabilizará o Centro de Lançamento de Alcântara.”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em pronunciamento feito em conjunto com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 19 de março de 2019

Embora agora defenda o lançamento comercial de satélites americanos na base de Alcântara, no Maranhão, em 2001, quando era deputado federal, Bolsonaro votou contra acordo semelhante.

Em 31 de outubro daquele ano, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara analisou um relatório do deputado Waldir Pires. O texto defendia a aprovação de um entendimento entre os dois países para uso da base. Bolsonaro foi o único parlamentar a se posicionar contra o acordo. “Louvo a competência do deputado Waldir Pires, mas por outras razões que, no momento, preservo-me de citar, voto contrariamente ao projeto”, disse, na ocasião.

No mês anterior, Bolsonaro também havia criticado a ideia em discurso realizado no plenário da Casa. “O senhor Geraldo Quintão [ministro da Defesa na época] sustentou o tempo todo a posição, própria do seu governo e do governo americano, de que deveríamos abrir mão de parte da nossa soberania para ganharmos alguns milhões de dólares por ano, não alugando o Centro de Lançamento de Alcântara, mas, na verdade, alienando-o.” Ao finalizar, citou uma frase do ex-presidente americano George Washington: “Não pode haver maior erro do que esperar favores reais de uma nação a outra.”

Procurada, a assessoria de Bolsonaro informou que o presidente não comentaria a checagem.

“Em média no Brasil, o ICMS de combustível tem 30%.”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em uma live feita via Facebook no dia 18 de março de 2019

Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostram que o peso do ICMS no custo da gasolina realmente tangencia o total dito pelo presidente no Facebook. Chega a 29,5%. Mas para os outros combustíveis derivados do petróleo, o impacto é bem mais baixo. Para o diesel 500, o ICMS é 14,8%. Para o diesel S10, 14,7%. E, para o gás liquefeito de petróleo (GLP), 14,3% – ou seja, cifras que ficam abaixo da metade do valor mencionado pelo presidente.

Dados da Fecombustíveis mostram que o peso do ICMS no etanol oscila entre 12% e 32% do custo final, dependendo da unidade da Federação. A entidade não especifica o peso médio do tributo em todo o país.

Procurada, a assessoria de Bolsonaro informou que o presidente não comentaria a checagem.

“Hoje o Brasil tem um presidente que não é antiamericano, caso inédito nas últimas décadas.”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em pronunciamento feito em conjunto com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 19 de março de 2019

Dados oficiais de Exportação e Importação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços mostram que a relação entre EUA e Brasil tem sido profícua e vem crescendo nas últimas décadas. Em 1997, por exemplo, as exportações brasileiras para os americanos foram de US$ 9,2 bilhões. No ano passado, ultrapassaram US$ 28,7 bilhões. Já as importações feitas pelo Brasil dos EUA aumentaram de US$13,6 bilhões para US$28,9 bilhões no mesmo período.

As duas altas não teriam sido possíveis sem políticas públicas e posicionamentos presidenciais de aproximação entre as duas nações. O Sistema Concórdia, mantido pelo Itamaraty, mostra que, desde 1995, ao menos 79 atos conjuntos, incluindo acordos, cooperações técnicas, memorandos de entendimento e cartas de intenções, foram firmados entre os dois países.

Vale lembrar, por exemplo, que em 2000, os então presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, assinaram o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, permitindo o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites, mísseis e foguetes americanos. O texto, no entanto, foi rejeitado pelo Congresso em 2001. FHC também se engajou nas negociações em favor da Área de Livre Comércio das Américas, proposta que tinha o objetivo de eliminar barreiras alfandegárias de 34 países americanos, e defendida pelo governo americano.

Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff fizeram diversas visitas oficiais aos EUA. Dados do Departamento de Estado dos EUA mostram que Lula esteve oito vezes em território americano durante o período em que ocupou a Presidência, e que sua sucessora visitou o país outras três vezes. Ambos ficaram na Blair House, em Washington, em 2007 e 2015, respectivamente – mesmo local onde Bolsonaro se hospedou na atual viagem.

Nos últimos 30 anos, as relações entre Brasil e Estados Unidos tiveram seu ponto de maior atrito diplomático em 2013, quando veio à tona a informação de que Dilma havia sido espionada pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês). A espionagem, no entanto, não foi motivada por um possível sentimento antiamericano por parte da governante brasileira e acabou sendo diplomaticamente sanada.

Na época, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República publicou uma nota dizendo que o caso havia sido “superado” e que EUA e Brasil tornariam “cada vez mais forte a sua parceria estratégica, que está baseada no respeito mútuo e no desenvolvimento de seus povos”.

Nenhum dos presidentes se disse publicamente antiamericano enquanto exercia mandato ou governou de forma a afastar as relações com os americanos.

Procurada, a assessoria de Bolsonaro informou que o presidente não iria comentar.

“[O nosso país, os EUA,] está tendo um desempenho melhor do que jamais teve economicamente.”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, em pronunciamento feito em conjunto com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em 19 de março de 2019

Embora o momento econômico dos Estados Unidos seja positivo, há períodos no passado recente do país nos quais a economia americana mostrou desempenho melhor. Os EUA fecharam 2018 com uma taxa de 3,9% de desemprego, um crescimento de 2,9% no PIB e uma inflação de 1,9% ao ano. Em 1952, por exemplo, todos esses índices foram melhores – o que já serve para classificar como falsa a afirmação do presidente norte-americano.

Desde 1930, o PIB americano cresceu mais de 2,9% em 51 dos 89 anos analisados. Na mesma série histórica, a inflação foi mais baixa do que a observada no ano passado em 34 dos 89 anos, e o desemprego foi menor em 14 deles.

O índice Dow Jones caiu 5,9% entre o início e o fim de 2018, embora tenha subido 22,5% em 2017, o primeiro ano de Trump à frente da Casa Branca. O bom desempenho observado em 2017 não foi, no entanto, inédito. Entre 1995 e 1997, por exemplo, a Bolsa de Nova York subiu acima desse patamar por dois anos seguidos.

“Junto com os EUA, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer o legítimo presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó.”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, em pronunciamento feito em conjunto com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em 19 de março de 2019

Os Estados Unidos e o Brasil foram os primeiros países a reconhecer Juan Guaidó como “legítimo presidente interino da Venezuela”. Às 10h47 do dia 23 de janeiro, Trump informou em seu Twitter que reconhecia Guaidó no cargo. Bolsonaro postou conteúdo semelhante às 11h13. Em seu tuíte, Bolsonaro informou que o Brasil apoia “política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela”.

“[A Venezuela] há pouco era um dos países mais ricos da América do Sul.”
Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, em pronunciamento feito em conjunto com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 19 de março de 2019

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Venezuela era o segundo país mais rico da América do Sul em 1998, último ano antes do ex-presidente Hugo Chávez chegar ao poder. Na época, o PIB per capita venezuelano era de US$ 12 mil, em poder de paridade de compra. Apenas a Argentina, com um PIB per capita de US$ 12,3 mil, estava à frente.

Vinte anos depois, em 2018, o FMI estima o PIB per capita da Venezuela em US$ 10,9 mil, também em poder de paridade de compra. Esse é o terceiro total mais baixo do continente. Só supera os registrados por Guiana e Bolívia.

Os dados do Banco Mundial também mostram a Venezuela como segundo país mais rico da América do Sul em 1998, mas a série histórica do banco para o país acaba em 2014.

Com reportagem de Maurício Moraes, Nathalia Afonso, Clara Becker, Chico Marés e Cris Tardáguila

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