Conheça a trajetória de Ibaneis Rocha, 1º brasiliense a comandar o DF

A partir de 2019, o bem-sucedido advogado terá a missão de pensar políticas públicas que melhorem a vida dos cerca de 3 milhões moradores da capital do país

Saulo Araújo


Tarde de 28 de julho de 2018. Num pequeno palanque improvisado de dois degraus coberto por um tapete vermelho já envelhecido, três políticos experimentados da cidade anunciavam a candidatura do homem que, 90 dias depois, viria a ser eleito governador do Distrito Federal. Na ocasião, Ibaneis Rocha comemorava a escolha como cabeça de chapa do MDB com um tímido aceno de punho cerrado direcionado aos pouco mais de 40 presentes na convenção do Avante, partido do futuro vice-governador, Paco Britto.

Ibaneis deixou o evento, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), pesando 98kg. Depois de três meses de longas andanças pelas 31 regiões administrativas do DF, chegou ao dia da votação, neste domingo (28/10), com a balança marcando 92kg.

Tanta disposição em “gastar sola de sapato” – termo bastante usado por ele durante a campanha – seria impossível há alguns anos, em razão da obesidade, que limitava algumas atividades. Em busca de uma vida mais saudável, em 2013 submeteu-se a uma cirurgia bariátrica, realizada pelo médico Carlos Eduardo Malzoni, um dos mais renomados do país e que, em 2016, operou o diretor da Rede Globo Boninho.

Mais leve – chegou a pesar 144kg –, Ibaneis voltou a dedicar-se a uma antiga paixão: a bicicleta. Ao lado do amigo de infância e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal (OAB-DF) Marcelo Martins, pedalava cerca de 60 quilômetros todos os domingos. O trajeto incluía volta completa no Lago Sul, passagens pelo Eixão e acabava quase sempre com um almoço no Gibão, restaurante especializado em carne de sol situado no Parque da Cidade. Rotina só interrompida com o início da corrida eleitoral.

Marcelo Martins, o Marcelo Piauí, é uma figura singular na vida de Ibaneis. Também advogado, trabalha no escritório do emedebista, mas a relação vem desde quando o recém-eleito chefe do Executivo local era só um menino em Corrente, no Piauí. Os dois conheceram-se quando tinham 9 e 11 anos, respectivamente.

Ibaneis nasceu em Brasília, no Hospital de Base, em 10 de julho de 1971. É o primeiro governador do Distrito Federal a ter Certidão de Nascimento expedida na capital do país. À época, o pai e a mãe trabalhavam na maior unidade de saúde do DF: ele como técnico de farmácia, ela como auxiliar de enfermagem. Aos 8 anos, Ibaneis mudou-se para Corrente (PI) porque o pai, formado em administração, havia sido convidado a ajudar no desenvolvimento de um projeto sobre plantio de soja no estado nordestino. Para acompanhar a família, a mãe pediu exoneração do serviço público.

Arquivo Pessoal

Ibaneis é o primeiro governador do Distrito Federal a ter Certidão de Nascimento expedida na capital do país

Ainda criança, já demonstrava tino para negócios. Aos 11 anos, começou a trabalhar num mercadinho da cidade como empacotador de café e açúcar. Percebeu que o estabelecimento não vendia verduras aos clientes em razão da dificuldade em transportar os insumos da capital, Teresina, para o interior. Em um terreno de 2 hectares do avô, fez uma horta e passou de empacotador a fornecedor do mercadinho.

Aos 15 anos, Ibaneis voltou a morar em Brasília, na casa de uma tia. Achava que teria mais futuro na capital do país. Já o amigo Marcelo Martins mudou-se para Floriano (PI). Nas férias escolares, em janeiro e julho, os dois regressavam a Corrente. Segundo Marcelo, Ibaneis sempre foi habilidoso na organização do próprio tempo. Ao rever os familiares na cidadezinha de 26,5 mil habitantes, ajudava os avós nos afazeres domésticos e nunca deixava de revisar as disciplinas da escola.

A primeira vez que Ibaneis considerou disputar o Governo do Distrito Federal (GDF) foi num bate-papo descontraído regado a cerveja e petiscos no Quituart, tradicional centro gastronômico do Lago Norte com vários restaurantes. À mesa, estavam Ibaneis, Marcelo Martins e Paulo Pestana, este último jornalista responsável por coordenar a comunicação da campanha do emedebista ao governo distrital. Pestana foi um dos entusiastas de Ibaneis como cabeça de chapa do MDB, mesmo quando o nome dele era aventado para ser vice de Jofran Frejat (PR), que acabou declinando da disputa ainda na pré-campanha.

Era agosto de 2017. O assunto sobre a candidatura ao GDF foi ventilado e Ibaneis acabou se animando. A vaidade, o dinheiro e o espírito de competição alimentaram a conversa de bar e o encorajaram a pisar num campo em que ele jamais tinha pisado: a política.

Fortuna
Os R$ 94 milhões amealhados — pelo menos é o que está declarado à Justiça Eleitoral — ao longo de 25 anos de advocacia despertaram em Ibaneis hábitos luxuosos. Em uma de suas mansões, na QI 11 do Lago Sul, mandou construir uma adega com 1,8 mil rótulos. Quem cuida do espaço e dos afazeres do imóvel é Fernandinho, cozinheiro de mão-cheia que trabalha para a família há seis anos.

O advogado tem gosto especial por vinhos da bodega argentina Zapata, cujos rótulos mais nobres podem chegar a R$ 5 mil. Amigos próximos dizem que, devido à bariátrica, ele tem pouca tolerância ao álcool e fica “alegre” com suas taças.

Os mais íntimos dizem que o futuro chefe do Palácio do Buriti transita bem entre o glamour e a simplicidade. Os jantares de negócio costumam acontecer nos finos restaurantes da cidade, mas Ibaneis também gosta de reunir amigos em casa. Na cozinha gourmet, troca o paletó pelo avental e prepara pratos nordestinos que se acostumou a comer na infância: bode ao molho e galopé (iguaria que reúne frango e pé de porco) são seus preferidos. Muitos dos temperos são retirados da própria horta, cultivada no quintal da mansão.

Arquivo Pessoal

Na cozinha gourmet, deixa o paletó de lado e prepara galopé: iguaria que reúne frango e pé de porco

A residência, uma espécie de casa funcional da família – pois ele tem outras duas no Lago Sul –, é protegida por câmeras de segurança e cerca elétrica. À noite, a cadela, Linda, uma american staffordshire terrier, é quem faz a guarda do imóvel.

Frutos do mar também têm lugar cativo na cozinha de Ibaneis. Quando se propõe a preparar pescada-amarela e dourado – dois dos seus pratos prediletos –, acorda cedo e vai pessoalmente à Feira do Guará escolher peixe fresco. Ibaneis anda com desenvoltura no Guará, onde viveu a maior parte da infância e da adolescência. Foi nessa cidade, distante 12km do Plano Piloto, que comprou seu primeiro imóvel: um apartamento na QE 42.

Desde então, a conta bancária ficou recheada e Ibaneis tomou gosto por viagens ao exterior. O destino preferido é a capital portuguesa, Lisboa, onde iniciou um mestrado em gestão de políticas públicas – mas não o concluiu, em razão do ingresso na política.

Nas viagens mais curtas, prefere descansar em um dos seus apartamentos na beira da praia, em Fortaleza (CE). Vez ou outra, dirige 894 quilômetros para rever os parentes e amigos em Corrente, no interior do Piauí.

Tiro de bala de borracha
Ibaneis chega ao Palácio do Buriti rompendo uma curiosa tradição: os últimos três governadores eleitos são botafoguenses: José Roberto Arruda (PR), Agnelo Queiroz (PT) e Rodrigo Rollemberg (PSB). O advogado sempre torceu de forma discreta pelo Flamengo, até o filho João Pedro, 13, criar gosto por futebol e se tornar fanático pelo rubro-negro carioca.

A pedido do garoto, Ibaneis fez muito bate-volta de Brasília ao Rio de Janeiro para assistir aos jogos da equipe no Maracanã. Só teve uma expedição traumática ao “Maior do Mundo”: em 13 de dezembro de 2017, Ibaneis e João Pedro estavam entre os 62.582 presentes no estádio durante a final da Copa Sul-Americana entre Flamengo e Independiente (Argentina).

Antes da partida, policiais reprimiram um grupo de torcedores que tentou entrar sem ingresso. Depois do jogo, com o empate em 1 x 1 que assegurou ao Independiente o título continental, os arredores da arena transformaram-se em praça de guerra. Ibaneis e João Pedro estavam entre aqueles que só queriam sair do olho do furacão. Na tentativa de proteger o filho do conflito, Ibaneis levou um tiro de bala de borracha disparado por um policial militar carioca.

Arquivo Pessoal

Ibaneis e o filho João Pedro estavam entre os 62.582 presentes no estádio durante a final da Copa Sul-Americana entre Flamengo e Independiente (Argentina)

Paralisia facial
Com a recente popularidade, muitos eleitores passaram a se perguntar por que o olho esquerdo do novo chefe do Executivo é mais fechado do que o direito. Sem constrangimento, ele fala do assunto: sofreu uma paralisia facial em 2002, durante os jogos da Copa do Mundo no Japão/Coreia, o que lhe tirou os movimentos do lado esquerdo do rosto. Pessoas que o cercam já repararam: o problema agrava-se quando ele fica nervoso. No momento mais tenso da campanha, chegou a aparecer em compromissos públicos usando óculos escuros.

Apesar da imobilidade em parte da face, Ibaneis nunca teve dificuldades de comunicação. “Minha preocupação era com a fala, pois sou advogado e faço muita sustentação oral, mas nunca afetou muito a minha vida.” Aliás, a facilidade na oratória foi uma característica que o colocou em vantagem nos debates com seus adversários. Mesmo sem histórico de realizações, usou a técnica de sustentação oral a fim de criar uma expectativa positiva em torno de seu nome.

 

Personalidade forte
Durante a campanha eleitoral, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) por diversas vezes acusou Ibaneis de ser um adversário arrogante e prepotente. Quem trabalhou diretamente com ele diz que o defensor tem pouca tolerância com erros de subalternos e raramente faz autocrítica. Costuma ouvir aliados, mas dificilmente muda de opinião se estiver convicto.

No ambiente de trabalho, é visto como um “trator” por querer resolver tudo ao mesmo tempo. Quando subordinados cometem falhas, repreende-os de forma enérgica – o que, não raras vezes, é visto como grosseria.

Não hesita em “passar por cima” dos outros se achar que pode resolver um problema de forma mais fácil. A despeito das broncas, rasga elogios se reconhece um bom trabalho.

Outra característica salientada na personalidade de Ibaneis é a lealdade com aliados. Também é visto como cumpridor de acordos, porém jamais aceita receber ordens de terceiros.

Ibaneis começou a pavimentar seu projeto de poder em 2009, quando conseguiu convencer a então presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros, a desistir de apoiar um dos postulantes na campanha à presidência da entidade. Lançado como candidato da situação por Estefânia, Ibaneis perdeu o pleito para Francisco Caputo por uma diferença de 400 votos.

Na eleição seguinte, para o triênio 2013–2015, teve novamente Caputo como principal opositor, mas sagrou-se vencedor nas urnas com uma diferença de 2.070 votos.

O advogado Paulo Roque, que concorreu ao Senado Federal pelo Novo, conheceu Ibaneis na derrota e na vitória. Segundo avalia, ele tem potencial para tocar bons projetos para a cidade, mas Roque teme que o novo governador não saiba lidar com a quantidade de forças políticas que começaram a apoiá-lo – as quais, certamente, vão cobrar por isso.

“Se ele adotar os princípios praticados na OAB, pode fazer um bom governo. Meu receio é que ele se torne refém da aliança que o elegeu”, pondera Paulo Roque, que disputou a cadeira da OAB-DF com Ibaneis em 2012. “É alguém que costuma proteger muito seus aliados e não deixa espaço para opositores”, conclui Roque.

Ao traçar seu caminho ao GDF, Ibaneis demonstrou pragmatismo ao decidir que investiria sua própria fortuna para se eleger governador. Não se preocupou em evitar legendas nanicas e aliou-se a um dos partidos mais fisiológicos do país: o MDB. Calculou que valeria mais ter a seu favor o longo tempo de TV na propaganda eleitoral do que o desgaste por ressuscitar personagens associados a escândalos de corrupção, como: o presidente da sigla, Tadeu Filippelli, preso e réu no âmbito da Operação Panatenaico; Benício Tavares, cassado por abuso de poder econômico; e Júnior Brunelli, protagonista do episódio conhecido como a “oração da propina”, no esquema que desencadeou a Operação Caixa de Pandora.

Ao pavimentar sua trajetória ao Palácio do Buriti, colocou seu perfil de advogado bem-sucedido sob escrutínio da população e de adversários. Daí emergiram denúncias de toda natureza: desde a suspeição sobre o exercício profissional atrelado à defesa de servidores públicos ao recente suposto escândalo de que ele teria se envolvido sexualmente com um garoto de 16 anos, em 2008. A história circulava por grupos de WhatsApp há pelo menos dois meses, e o próprio Ibaneis se adiantou e pediu à Polícia Federal, ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) que investiguem a disseminação do conteúdo classificado por ele como fake news.

Daniel Ferreira/Metrópoles

Debate promovido pelo Metrópoles neste segundo turno da campanha pelo Governo do Distrito Federal

Primeira-dama
Em dezembro, nascerá o terceiro filho de Ibaneis, fruto do segundo relacionamento dele com Mayara, uma jovem advogada que trabalha no Ministério dos Direitos Humanos na parte de análise de processos de pessoas com hanseníase. Mayara também já atuou no escritório de Ibaneis.

Ibaneis diz não saber se a nova primeira-dama do DF terá algum papel no governo, mas não descarta, após o parto da companheira, que ela assuma alguma função na área social.

Ricardo Botelho/Especial para o Metrópoles

Mayara será a primeira-dama do DF a partir de janeiro de 2019

O futuro chefe do Executivo local está ciente de que a agenda de governador irá sacrificar boa parte do tempo com o filho recém-nascido, mas encara com naturalidade o desafio de governar uma cidade com 3 milhões de habitantes e recheada de problemas.

Bullying na infância
Ibaneis acostumou-se com o nome incomum, mas diz ter sofrido muito bullying na infância: “Por causa do nome e porque eu era bem gordinho”. Antes mesmo de sonhar com a paternidade, prometeu para si mesmo que seus filhos não sofreriam chacota pelo mesmo motivo.

“Gosto de nomes que não caibam apelidos. Como sofri na infância, procurei aqueles que facilitem a vida deles”, explica, ao se referir a Matheus – que ainda virá ao mundo – e também a Caio, 20, e João Pedro, 13, estes últimos frutos do seu primeiro casamento, com a contadora e sócia-gerente dele, Luzineide.

O desafio à frente do Distrito Federal começará oficialmente em 1° de janeiro de 2019 e vai até 31 de dezembro de 2022. Ao longo destes quatro anos, a população acompanhará de perto a trajetória do primeiro “brasiliense de nascença” a governar o Distrito Federal. Ibaneis já disse ser contra a reeleição e criticou Rollemberg por jogar a culpa dos problemas da cidade em seu antecessor. O seu próprio discurso, agora, obriga-o a ser muito eficiente e mostrar serviço aos moradores do DF o quanto antes.

Diretora-Executiva
Lilian Tahan
Editora-Executiva
Priscilla Borges
Editora-Chefe
Maria Eugênia
Coordenação
Olívia Meireles
Edição
Otto Valle
Reportagem
Saulo Araújo
Revisão
Adriano Brasil e Denise Costa
Edição de Fotografia
Daniel Ferreira
Edição de Arte
Gui Prímola
Design
Cícero Lopes e Moisés Dias
Edição de Vídeo
Pedro Valente
Tecnologia
Allan Rabelo e Saulo Marques