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Investigados comemoraram em bar do próprio gestor contrato superfaturado de UTIs

Operação que apura contratação de leitos de Covid-19 indica conluio entre empresários e funcionários do Iges-DF para liberação de verbas

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Hugo Barreto/Metrópoles
Promotores do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagraram operação na presidência do Iges-DF no prédio PO 700 brasilia df 20
1 de 1 Promotores do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagraram operação na presidência do Iges-DF no prédio PO 700 brasilia df 20 - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Os investigados pela Operação Ethon, deflagrada na manhã de quarta-feira (18/8), comemoraram a liberação de recursos para custear a manutenção de leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) contratados para atender a pacientes de Covid-19 no Distrito Federal.

O contrato é suspeito de superfaturamento e consta no pedido de medida cautelar elaborado pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O órgão apura acordos celebrados pelas gestões anteriores do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF).

De acordo com o MP, os funcionários responsáveis pelos repasses para a Domed, uma das contratadas, criavam condições para que – mesmo que os serviços fossem prestados de maneira ineficaz, sem atender ao que foi contratado – os recursos permanecessem caindo nas contas da empresa.

A investigação cita o médico Olavo Medeiros Muller, então superintendente do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), morto por Covid-19 em junho passado; Rayanne Macedo, fiscal dos contratos; e o gerente de operações da Domed, Frederico Macedo.

O médico Ivan Castelli, apontado como sócio oculto da empresa, é indicado no documento como “o grande arquiteto do esquema criminoso no contexto da execução do contrato” da Domed. A filha dele, Isabella Castelli, foi contratada pelo instituto por meio de processo seletivo.

“Todo esse quadro, aliado aos ínfimos descontos efetuados por Olavo e Rayanne, aponta que a organização criminosa dominava todas as frentes, em ações concentradas para desviar vultosas somas dos cofres públicos.”

Comemoração

Em trocas de mensagens extraídas dos celulares, os investigados marcaram encontro para a suposta comemoração de repasses irregulares autorizados à empresa no dia 28 de julho do ano passado, quando ela ganhou o direito a gerir serviços nas Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ceilândia e também no próprio Hospital de Santa Maria.

Frederico e Castelli combinaram, no restaurante Cozumel, de propriedade de Muller, o sucesso na investida para a liberação dos recursos. De acordo com o MP, a manobra tida como fraudulenta gerou o pagamento de R$ 2.069.112,39 à Domed. O médico morto em junho deste ano foi o responsável pelo atestado que garantiu a suspensão das glosas (pagamentos pendentes por quebra contratual).

“No restaurante do doutor Olavo, Cozumel Mex Bistrô. É na Asa Sul”, grifa Frederico. Como resposta, Castelli concorda: “Vamos almoçar ou jantar lá na semana que vem”, indica a quebra de sigilo telefônico.

Óbitos em UTIs

Em apenas uma das UTIs geridas pela Domed, empresa investigada, foram registrados 344 óbitos nos meses de junho, julho e agosto de 2020. No mesmo período, a UTI administrada pela rede pública de Saúde teve 107 mortes, número mais de três vezes menor.

Segundo os investigadores, a situação “só se justifica em razão do quadro de corrupção e de malversação da coisa pública instalado no Iges-DF, em favor de um ‘clube’ de empresas chefiadas por pessoas sem escrúpulos que se alimentaram das verbas do Estado e, por consequência, deixaram um rastro de dor e sofrimento pelas dezenas de mortes de pacientes causadas e pela dor de seus familiares”.

“Todo esse trágico resultado, em grande medida, poderia ter sido evitado”, diz outro trecho do documento, ao qual o Metrópoles teve acesso.

Uma troca de mensagens entre dois alvos da operação, Frederico Azevedo e Ivan Castelli, ocorrida em 29 de junho de 2020, revela a preocupação de um dos gestores em relação à quantidade de um medicamento utilizado em pacientes intubados, o Rocurônio. “Vamos ter prejuízo”, disse Castelli, quando Ivan sinalizou que o médico havia solicitado 10 ampolas do medicamento. “Estão usando o Rocurônio para manter o paciente em ventilação mecânica. Vamos ter prejuízo, pois estas 10 ampolas vão custar R$ 2.750 aproximadamente”, escreveu.

“Talvez se Ivan Castelli providenciasse os insumos mínimos para a UTI Domed com a mesma velocidade com que fez os cálculos de eventuais prejuízos, a trágica situação dos pacientes do 1º andar seria outra”, diz a cautelar, assinada por seis promotores do Gaeco.

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Organização criminosa

A investigação, que foi conduzida diretamente pelo Ministério Público, revelou um esquema ilegal que foi instalado no Iges-DF, e que resultou no desvio de milhões de reais, em dois contratos destinados ao fornecimento emergencial de leitos de UTIs, no período de março a outubro de 2020.

As empresas contratadas foram a Domed, responsável por 50 leitos no Hospital Regional de Santa Maria, e a Organização Aparecidense de Terapia Intensiva (Oati), que forneceu 20 leitos no Hospital de Base e outros 10 na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião.

Para além do superfaturamento de preços ofertados pelas empresas que participaram da seleção e do direcionamento das contratações em favor das empresas, as investigações também apontaram que as contratadas não forneceram insumos, medicamentos e mão de obra, em quantidade e qualidade exigidos.

As ilegalidades praticadas, segundo os promotores, tiveram como consequência a ocorrência de altíssimas taxas de mortalidade nos leitos de UTIs de alguns hospitais administrados pelos suspeitos.

Ethon

O nome da operação faz alusão a Ethon que, segundo a mitologia grega, era o abutre enviado por Zeus diariamente ao monte Cáucaso para devorar o fígado de Prometeu. O fígado de Prometeu se reconstituía completamente para, no dia seguinte, voltar a ser devorado por Ethon.

O Metrópoles acionou a defesa dos investigados na ação do MPDFT, mas, até a última atualização desta reportagem, ninguém havia se manifestado. O espaço segue aberto para eventuais declarações. No caso de Francisco Araújo, os advogados só vão emitir nota oficial após conhecerem o inteiro teor das investigações.

Por meio de nota, o Iges-DF comentou a operação deflagrada nesta quarta e justificou que os contratos em questão “foram firmados em gestões anteriores, antes de março de 2021, quando a atual direção assumiu a instituição”. Segundo o instituto, ações de controle interno, como a promoção de auditorias em todos os contratos firmados, têm sido realizadas. “Esse trabalho vem sendo feito rigorosamente pela Controladoria Interna. Caso sejam identificadas irregularidades, providências serão adotadas para solucioná-las”, pontuou.

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