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J.D. Salinger não parou de escrever

Revelação do filho do autor de O Apanhador No Campo De Centeio gera grande expectativa para milhares de fiéis leitores mundo afora

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1 de 1 sallinger - Foto: Getty Images

A melhor notícia literária da última semana, deste ano que começa e de um bom tempo por vir foi a confirmação de que J.D. Salinger (1919-2010) deixou material inédito. Matthew, filho do autor de O Apanhador No Campo De Centeio, contou ao jornal The Guardian que o pai escreveu durante os 45 anos que passou sem publicar. No ano do centenário do escritor norte-americano, a novidade vem muito bem a calhar.

Houve sempre a dúvida e o desejo dos leitores. Já no primeiro trabalho de peso sobre obra e vida, Ian Hamilton (Em busca de J.D. Salinger) se questionava: “Agora nem mesmo nos deixa ver o que está escrevendo. Será que está aborrecido? Se está, o que fizemos de errado? Estudar Literatura Inglesa? Ou será que está nos provocando – testando nossa fidelidade para certificar-se de que jamais o abandonaremos completamente?”.

Os fiéis da igreja da família Glass nunca cogitaram deixar de lado os irmãos Seymour, Buddy, Boo Boo, Walt, Waker, Zooey e Franny, personagens de uma saga contemporânea espalhada por poucos contos e romances. Jamais pensaram, é claro, esquivar-se de Holden Caulfield, o rebelde adolescente protagonista de O Apanhador. Agora, os fãs arrumaram motivos de sobra para querer viver e ler mais, nem ligando para Copperfields ou Godots.

Matt Salinger não abre muito o jogo sobre o conteúdo, mas garante: “Tudo o que ele escreveu será compartilhado em algum momento”. Não é para já, porque o trabalho de edição demandará ainda bastante tempo. “Quando meu pai disse que tudo o que ele tem a dizer está na sua ficção, acredite – está lá. (…) Ele cobre tudo com o que o leitor perspicaz se importaria. Meu trabalho é ajudar isso a acontecer o mais rápido possível, e não atrapalhar.”

Os rumores de que o nova-iorquino Salinger não havia parado de escrever sempre foram intensos – na imprensa, nas biografias publicadas no Brasil (além de Hamilton: Salinger, Uma Vida, de Kenneth Slawenski, e Salinger, de David Shields e Shane Salerno) ou no documentário Memórias de Salinger, dirigido pelo mesmo Salerno. Havia um “bunker” na casa onde morava em Cornish, no estado de New Hampshire. Ficava ali dias a fio.

Há muitos textos, disse o filho ao Guardian. E garantiu que o material não vai desapontar os verdadeiros leitores. “Acho que será tremendamente bem recebido por essas pessoas e elas serão afetadas da maneira como todo leitor espera ser afetado quando abre um livro. Não mudará, necessariamente, mas algo pode contagiar e levar a mudanças.”

Se pensarmos no “efeito Salinger” desde que suas histórias começaram a sair na revista The New Yorker, nos anos 1940, essa afeição que vem da leitura, chamada muitas vezes de amor (por que não?), será recrudescida. A ficção do autor de Carpinteiros, Levantem Bem Alto A Cumeeira tem essa qualidade de amálgama da boa literatura. Aqui, o coloquialismo urgente, num tipo curioso e categórico de verborragia às avessas, joga o leitor para dentro da página ao ponto da perdição. Sem cura.

Não se sabe, obviamente, se haverá nos inéditos explicação para a decisão de se afastar da sociedade literária de sua época, objeto de muita especulação. “Ele apenas decidiu que a melhor coisa para escrever era não ter muitas interações com pessoas, tipos literários em particular”, atesta Matt. Em breve desvio futurístico, fico imaginando Salinger tendo de encarar hoje as redes sociais, de esconderijos impossíveis.

Enfim. A notícia é excelente e o centenário, boa oportunidade para conhecer a obra daquele que mudou o rumo da prosa norte-americana, criou precedente para outros isolamentos (vide Dalton Trevisan, que não deixou de publicar, ainda bem) e despertou curiosidade sem fim. A delícia de saber que a experiência de sinceridade na escrita estará de volta deixa esse mundo um pouquinho menos chato. Vamos torcer para que Salinger ressuscite logo. Amém.

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