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“Síndrome de Chimpanzé” viaja ao espaço para falar do cotidiano

Clássicos de ficção científica são referência para a peça que estreia na Caixa Cultural. O Metrópoles conversou com o autor/diretor Alex Cassal

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Felipe Lima/Divulgação
1 de 1 - Foto: Felipe Lima/Divulgação

Uma catástrofe extermina a humanidade. Três astronautas russos ficam isolados numa estação espacial distante e têm de sobreviver com os recursos que lhes restam, ao mesmo em que tentam manter a lucidez em meio a delírios e acidentes que ameaçam sua existência. Esse é, em resumo, o enredo de “Síndrome de Chimpanzé”, peça da companhia carioca Foguetes Maravilhas que estreia nesta sexta-feira (21/10), no Teatro da Caixa Cultural.

A viagem espacial é pretexto para uma reflexão íntima sobre a realidade cotidiana, uma exploração dramatúrgica da subjetividade da memória, das emoções e dos desejos. É o quarto trabalho do grupo formado por Alex Cassal, Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello — os outros foram “Ele Precisa Começar”, “Ninguém Falou que Seria Fácil” e “2histórias”.

Desta vez, Cassal assina texto e direção. Em entrevista ao Metrópoles, direto de Portugal, onde vive atualmente, o ator e dramaturgo fala sobre o tema do espetáculo e o processo de criação em grupo, entre outros assuntos:

No espetáculo, a viagem espacial é a metáfora de uma viagem íntima. Como esse aspecto intimista transparece no texto ou na encenação?
Há essa premissa tão comum nas histórias de ficção científica: alguma catástrofe como guerra nuclear, meteoro gigante ou ataque de zumbis destruiu o mundo e apenas algumas poucas pessoas sobreviveram. E esse grupo de afortunados ou desgraçados torna-se uma espécie de recorte da humanidade. Em “Síndrome de Chimpanzé”, o evento apocalíptico que isola os cosmonautas em sua estação espacial é o ponto de partida para falar de assuntos bem cotidianos: o fim de uma relação, a instabilidade do desejo sexual, a consciência de estar envelhecendo, a vontade de ter um filho — e não seria irresponsabilidade trazer mais uma criança para um mundo como este? Uma espécie de “o inferno são os outros” sartriano, mas também um “o paraíso são os outros”.

Felipe Lima/Divulgação

Inclusive, há na peça várias referências a filmes clássicos de ficção científica…
Gostamos bastante de ficção científica, e fazer este espetáculo foi também uma desculpa para chafurdar no gênero, revisitar todas as referências que nos interessam e nos tocam. Os clássicos existenciais como “2001, uma Odisseia no Espaço”, “Solaris” e “A Última Esperança da Terra”, mas também fantasias escapistas e extravagantes como “Barbarella”, “Vampiros do Espaço” e “Os Trapalhões no Planalto dos Macacos”. Desses filmes extraímos coisas como computadores falantes, astronautas sensuais, coreografias sem gravidade, a aparência ao mesmo tempo futurista e retrô de uma estação espacial que é também um museu de quinquilharias de um tempo que já passou. Essas quinquilharias, por si só, não têm valor, mas adquirem valor porque nos afeiçoamos a elas, porque fazem parte de nossa história pessoal, estão cobertas de uma espécie de “baba antropofágica”. A ficção científica, aqui, fala menos do que está a anos-luz de distância e mais do que trazemos colados a nós, nossas memórias e amores.

A internet, assim como o teatro, é tanto uma ferramenta de assimilação e conformismo quanto de revolução e descoberta. O que buscamos em nossa prática,  penso eu, é criar e ocupar territórios paralelos de afeto, trabalho, ativismo,realização existencial

O mundo está cada vez menos subjetivo, a internet cria essa necessidade de se assimilar tudo com urgência. De que forma peças como “Síndrome de Chimpanzé” e o teatro em geral podem contribuir para mudar essa direção?
É curioso: se por um lado vivemos na era da urgência e da superfície, por outro continuam a se abrir imensas janelas para a subjetividade, o encontro e a imersão. Nasci em 1967, passei minha infância e adolescência numa ditadura. Tinha aulas de OSPB, assistia a enlatados americanos e novelas na TV, não conheci meu tio porque ele teve que se exilar, não podia assistir determinados filmes e peças porque o governo decidiu assim. Não tenho nostalgia dessa época, muito menos agora que o Brasil enfrenta novamente um golpe institucional que pretende limitar a liberdade e os direitos da maior parte da população. Lembro que revirava as estantes das bibliotecas em busca de livros que me falassem de um mundo em que eu acreditasse, e eventualmente encontrava coisas como uma Drama Review comida por traças com uma matéria sobre o The Living Theatre que li com ajuda do dicionário. A internet, assim como o teatro, é tanto uma ferramenta de assimilação e conformismo quanto de revolução e descoberta. O que buscamos em nossa prática,  penso eu, é criar e ocupar territórios paralelos de afeto, trabalho, ativismo, realização existencial.

Felipe Lima/Divulgação

Este é o quarto espetáculo com o Foguetes. Como surgiu essa parceria e em que vocês se aproximam, vindo cada um de tão variadas experiências?
Foi aos poucos. Conheci o Felipe Rocha (na época ainda integrante da Intrépida Trupe) em meados dos anos 1990, quando mudei de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Fomos nos encontrando em trabalhos de diferentes criadores, nos tornamos amigos. Em 2007 ele me disse “olhe, estou escrevendo um texto”. Era o “Ele Precisa Começar”. Fizemos o espetáculo realmente sem pretensão alguma de continuidade, mas com vontade de falar de coisas que nos interessavam de uma forma que nos interessasse. E algumas outras pessoas também se interessaram, fomos apresentando aqui e ali. Viramos um grupo quase sem perceber. Para o segundo texto de Felipe, “Ninguém Falou que Seria Fácil”, chamamos o Renato Linhares e a Stella Rabello, com quem já havíamos trabalhado em outro processo. E fomos consolidando parcerias com Aurora dos Campos (cenógrafa), Tomás Ribas (iluminador), Alice Ripoll (coreógrafa), Marina Provenzzano (atriz) e Tatiana Garcias (produtora), entre outros. Os encontros iam fazendo “clique, clique”, as relações encaixavam nos lugares certos de desafio, confiança, partilha. Funciona bem até porque cada um de nós vem de lugares diferentes e continua a habitar lugares diferentes, trazendo perspectivas que renovam o nosso olhar.

Escrevi a primeira versão do texto e mostrei ao resto do grupo. Na primeira leitura disseram: ‘Muito bacana, vamos fazer, mas este final é péssimo’. Pronto, mudei o final, era ruim mesmo. Quando afinal estreia o espetáculo, é difícil dizer às vezes de quem foi cada ideia, cada decisão

E onde acaba a assinatura do autor/diretor e começa o resultado do trabalho coletivo?
Em nossos processos o habitual vetor “dramaturgo > diretor > atores” é mais confuso, é difícil delimitar as funções precisas de cada um. Todos metem a colher em tudo, e todas as decisões criativas são bem disputadas. Em “Síndrome de Chimpanzé”, escrevi a primeira versão do texto e mostrei ao resto do grupo. Na primeira leitura disseram: “Muito bacana, vamos fazer, mas este final é péssimo, tem que mudar”. Pronto, mudei o final, era ruim mesmo. Quando afinal estreia o espetáculo, é difícil dizer às vezes de quem foi cada ideia, cada decisão, as soluções espontâneas que nos abrem novas possibilidades de contar aquela história. Não que não tenhamos posições fortes sobre maneiras de fazer, e grandes conflitos sobre uma cena ou uma fala, e impasses quase incontornáveis por algum tempo. Mas é bom que seja assim: é importante para nós estarmos aqui fazendo este espetáculo, nos afeta o que acontece neste processo.

“Síndrome de Chimpanzé”
De 21/10 (sexta) a 30/10 (domingo). Sexta e sábado, às 20h; domingo, às 19h. No Teatroda Caixa Cultural (Setor Bancário Sul, Quadra 4, Lotes 3/4). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia, inclusive para doadores de brinquedos). À venda na bilhetetira do teatro (terça a sexta e domingo, das 13h às 21h, sábado, das 9h às 21h).

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