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“Pentes” fala sincera e diretamente a um público específico: as mulheres negras

Com texto e direção do grupo Embaraça, a montagem tropeça em alguns momentos na dramaturgia. Porém, nada grave o suficiente para tirar a importância e o ineditismo do espetáculo

atualizado

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Tatiana Reis/Divulgação
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O espetáculo começou há alguns minutos quando as atrizes Ana Paula Monteiro, Fernanda Jacob e Tuanny Araujo dão início a uma das cenas mais emblemáticas de “Pentes”. Sentadas, uma penteia o cabelo da outra e Tuanny penteia uma boneca à la Barbie, branca de cabelos lisos. Nítida referência ao emblemático texto “Alisando o Nosso Cabelo”, de bell hooks (escritora feminista e ativista social americana), o momento sintetiza a peça — que mostra o doloroso e necessário processo da negação à afirmação dos cabelos de mulheres negras.

Com texto e direção do Grupo Teatral Embaraça, a montagem tropeça em alguns momentos na dramaturgia. Porém, nada grave o suficiente para tirar a importância e o ineditismo do espetáculo. Em todos esses anos, não foi vista uma peça que conversasse tão sincera e diretamente com uma plateia tão específica: as mulheres negras.

Foto do espetáculo "Pentes"
Foto do espetáculo “Pentes”

Há alguns poucos anos, esse público virou assunto na literatura, nos debates acadêmicos e na indústria de cosméticos. Contudo, nem sempre foi tratado com os devidos respeito e atenção. Por ser protagonizada por três mulheres negras, “Pentes” parece ter saído de um diário de uma mulher que passou anos tentando se esconder por trás de um cabelo quimicamente tratado, para ser mais “fácil” de cuidar e de ser aceito.

Por que o cabelo é um tema tão caro na vida das mulheres? No documentário “Good Hair”, de Chris Rock, a escritora e poetisa Maya Angelou diz que “o cabelo é a glória de uma mulher” e nos indica um caminho. O cabelo é a moldura do rosto, é a personalidade, é o cartão de visita de muitas que veem em suas cabeleiras uma forma de expressão e de afirmação. Se for isso, como as mulheres negras se sentem ao ter que mudar a estrutura de seus cachos, pois foi estabelecido que o crespo não é bonito?

Essa série de provocações é feita por Ana Paula, Fernanda e Tuanny, trio que sabiamente também coloca em pauta o surgimento das “cacheadas”. Personificadas como inúmeras blogueiras, muitas dessas figuras celebram os cachos, desde que sejam definidos, com uma armação milimetricamente calculada. Com ironia certeira, elas lembram que as madeixas precisam ser cuidadas sim, mas livres para serem crespos e armados o quanto quiserem.

“Pentes” é um teatro engajado e não há algum problema nisso. A arte, mesmo embrionária, já contém um discurso político. E em tempos de intolerância e ódios desmedidos, utilizar a cultura como instrumento de questionamento e de reflexão para padrões ultrapassados é um ato revolucionário.

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