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Livro aborda a dificuldade de assumir a identidade negra no Brasil

Em “Quando Me Descobri Negra”, a autora Bianca Santana parte de relatos próprios e de terceiros para tratar do assunto

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Bianca Santana/Arquivo Pessoal
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Na primeira quinzena de novembro, Bianca Santana (foto no alto) lançou a coletânea “Quando Me Descobri Negra”. Dividido em três partes — “Do que Vivi”, “Do que Ouvi” e “Do que Pari” — o livro é um relato de histórias, de mulheres e homens, que assumiram suas identidades negras. Estampam a edição ilustrações de Mateu Velasco, artista de 35 anos, que nasceu em Nova York, mas morou durante toda a vida no Rio de Janeiro.

A primeira parte da obra traz situações que a autora viveu em diferentes momentos da vida; a segunda são relatos que ela reuniu especialmente para a obra. “A terceira parte é uma tentativa ficcional de registrar relatos que não vivi daquela forma ou que não ouvi de ninguém de forma objetiva, mas que estão presentes no meu imaginário de alguma maneira”, conta Bianca. Confira entrevista com a autora:

Como a coletânea surge?
No início de 2014, o Brasil Post/Huffington Post chegou ao Brasil pela Editora Abril, e um amigo querido, o Lucas Pretti, era editor do projeto e me convidou a escrever um blog por lá. Hesitei a princípio, depois achei que era uma boa maneira de tentar dar ritmo à escrita, ser mais frequente. Escrevi toda semana por alguns meses, quando a editora Renata Nakano entrou em contato para falar sobre um texto específico. O tema do racismo a mobiliza especialmente, por razões bem íntimas, e ela me escreveu para falar sobre isso. Na época, ela foi muito generosa em dizer que meus textos traziam histórias de racismo que mexiam com as pessoas, mas não eram agressivos ou violentos. E perguntou: “Você gostaria de reunir suas crônicas em um livrinho?” Crônica? Meu espanto foi grande porque não lia os meus textos como um gênero específico, ou como literatura, nem nada disso. Eram desabafos e tentativas de trazer temas que julgo importante. Depois de muita conversa, pensamos que relato talvez fosse o gênero mais adequado para o que eu escrevia. E aí reunimos alguns textos que já estavam publicados no blog, uns quatro ou cinco, e escrevi novos, especialmente para o livro.

É um longo processo compreender que pessoas negras foram escravizadas em um crime brutal que durou séculos, que beleza não é pressuposto do branco, do loiro, do que chamam cabelo bom

Por que o processo de enegrecimento é tão complexo? É por causa do racismo velado?
Também por ele. Qualquer processo de construção identitária é complexo. Mas, com o racismo estrutural do Brasil, é muito difícil identificar-se como negro. Na escola e na mídia as referências que temos são do escravo, do feio, do pobre, do bandido. É muito doloroso se identificar com essas imagens. É um longo processo compreender que pessoas negras foram escravizadas em um crime brutal que durou séculos, que beleza não é pressuposto do branco, do loiro, do que chamam cabelo bom”. Que historicamente se reproduz uma falta de oportunidade para pessoas negras no Brasil, o que cria situações terríveis de vulnerabilidade social. Por outras razões, na sociedade machista e patriarcal em que vivemos, ser mulher também é muito complexo. Ser mulher e negra, então… A Lélia Gonzalez, uma importante intelectual negra brasileira, escreveu sobre a importância de descobrir-se mulher negra para elevar a autoestima, apropriar-se de si e, especialmente, combater o racismo.

Como funcionou o processo de criação do livro? As pessoas lhe contaram relatos e você os escreveu de maneira mais literária?
A parte “Do que Ouvi” sim. Recebi relatos por e-mail, pelas redes sociais e pessoalmente. E tentei dar formas específicas a eles. Depois devolvia para as pessoas e perguntava se estavam bem daquela forma, se eu poderia publicar. As outras duas partes foram um processo mais solitário mesmo, de sentar, entrar em contato com memórias e sensações, muitas delas difíceis para mim de escrever. Só de contar agora dói minha barriga. Alguns textos foram escritos de forma visceral, sentindo dor mesmo, chorando, tremendo. Mas não foram todos escritos assim, talvez os mais fortes.

Há um projeto sistemático de exclusão de negras e negros desde que o Brasil existe. Em alguma medida, o livro questiona valores conservadores no geral. Mas o que ele traz não é novo, não vem com uma onda conversadora mais atual

São oito relatos on-line e 28 no livro. Por que você optou por fazer esse projeto híbrido, que une a maneira tradicional do livro com a plataforma na web?
Amo livros e acho o papel insubstituível. Mas a possibilidade de publicar na internet, em uma licença aberta de direito autoral, amplia a possibilidade de acesso aos textos, na minha visão. É uma tentativa de democratizar o acesso. A web também permite colaboração. É possível convidar as pessoas que passam pela página a compartilharem elas mesmas suas histórias, tornando a proposta aberta e muito viva.

Qual é a importância de um livro com essa temática em tempos tão reacionários?
Entendo o que você diz, mas me pergunto: antes não éramos reacionários? Com a população negra sempre fomos. Há um projeto sistemático de exclusão de negras e negros desde que o Brasil existe. Em alguma medida, o livro questiona valores conservadores no geral. Mas o que ele traz não é novo, não vem com uma onda conversadora mais atual. É algo muito presente nas nossas raízes, nas nossas estruturas. E o livro é fruto do tempo todo. Somos muitas e muitos negros falando publicamente sobre nossas experiências, criando estratégias coletivas para enfrentar o racismo. As Blogueiras Negras, o site e redes sociais do Instituto Geledés, as redes sociais da Uneafro e de tantos outros coletivos. São vozes que têm aparecido mais e para mais pessoas nos últimos anos.

Sesi/Reprodução“Quando Me Descobri Negra”
De Bianca Santana.
Editora Sesi, 96 páginas.
Preço médio: R$ 32.
À venda no site Livraria Sesi Senai-SP.

 

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