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Ex-estudante da UnB, Karim Aïnouz faz campanha para disputar Oscar

O cineasta, que estudou arquitetura na capital, conta como tentará trazer o prêmio inédito ao Brasil

atualizado

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Rogerio Resende/Divulgação
Karim-Ainouz
1 de 1 Karim-Ainouz - Foto: Rogerio Resende/Divulgação

Filho de uma brasileira e um argelino, Karim Aïnouz nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 1966. Criado apenas pela mãe após o pai voltar à terra natal, ele deixou a cidade em 1983, quando se mudou para o Distrito Federal para cursar a faculdade de arquitetura na Universidade de Brasília (UnB). Depois disso, morou em Paris, Nova York e São Paulo, até chegar a Berlim, onde vive há quase uma década. Sempre que possível, retorna a Fortaleza para visitar a mãe ou trabalhar (ele rodou parte de Praia do Futuro na cidade), mas nunca de fato voltou a viver na capital cearense.

Diante desse histórico, Karim Aïnouz se mostrou muito emocionado ao ser escolhido um dos homenageados da noite de abertura da edição 2019 do Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, quando foi exibido A Vida Invisível, mais novo trabalho do cineasta. Mesmo após grandes feitos, como conquistar a Mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes, e ser escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2020, a sessão no Cineteatro São Luiz, de Fortaleza, foi algo bastante especial para o diretor. “Teve algo ali, eu olhava de volta e pensava: ‘Eu nunca achei que isso fosse acontecer’. Não era nem um sonho que eu tinha. Fiquei muito emocionado e senti estar diante do fechamento de um ciclo. Tinha vários amigos meus de infância ali”, afirmou Karim, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.

Políticas públicas

Com grandes obras no currículo, a exemplo de Madame Satã; O Céu de Suely; e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (codirigido por Marcelo Gomes), Karim Aïnouz se mostrou muito feliz com a escolha de A Vida Invisível para tentar uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional no próximo ano. “Vejo como uma oportunidade superbonita da vida, uma chance de reconhecimento no mercado americano, não só do meu trabalho mas também de tudo que tem sido feito no Brasil. Vou lutar para isso com todas as forças. É uma campanha eleitoral e vou fazer campanha”, destacou.

Logo após a conversa com a reportagem, o cineasta pegou um voo à Itália, onde integra um dos júris do Festival de Veneza. Na sequência, viaja a Toronto, no Canadá, para o lançamento de seu filme no cultuado Festival Internacional de Cinema de Toronto – evento conhecido por apresentar muitas das produções que estarão no Oscar no ano seguinte.

Chico Gadelha/Divulgação
Karim Aïnouz durante homenagem no Cine Ceará 2019

Karim fez questão de ressaltar: não vê a escolha de A Vida Invisível como uma vitória pessoal, mas do próprio cinema nacional. “Claro que eu quero ser indicado, quero ganhar, mas o mais bonito foi o debate grande sobre qual seria o representante brasileiro, entre Vida e Bacurau. Há muito tempo não via essa discussão dentro da comissão. Central do Brasil foi feito quatro anos após a extinção da Embrafilmes. De lá pra cá, construímos uma trajetória incrível na indústria. Assim, uma indicação seria muito significativa para mostrar esse caminho, meu, do Kléber (Mendonça Filho), do Juliano (Dorneles) e, principalmente, das políticas de fomento do audiovisual. É um momento importante, como se estivéssemos entrando no segundo tempo dessas políticas, então elas devem ser celebradas”, ressaltou.

A indicação de Vida Invisível e a defesa de Karim pelas políticas públicas vêm em um momento delicado para o fomento do cinema brasileiro. O presidente Jair Bolsonaro, após diversas críticas públicas à Agência Nacional do Cinema (Ancine), exonerou o então presidente do órgão Christian de Castro Oliveira. A crise também se agravou com o pedido de demissão do Secretário Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, após o governo cancelar um edital que previa recursos a filmes de temática LGBT.

Lugar de fala

Estudioso, comunicativo e disposto a ouvir, Karim sempre valorizou personagens femininas em suas obras, especialmente em O Céu de Suely; Alice; e O Abismo Prateado. Agora, em A Vida Invisível, conta a história de duas irmãs que se desencontraram ao longo da vida. Para o diretor, seu novo trabalho é antipatriarcal e antimachista, mas não pode ser considerado feminista.

Não acho que eu poderia fazer um filme feminista, porque não sou mulher. Ao mesmo tempo, sou o filho de uma feminista. Minha mãe foi uma pioneira na ciência cearense. Foi uma mulher que saiu de casa muito cedo, que me criou sozinha. Sou o filho de um projeto feminista, então acho que posso falar desse projeto

Karim Aïnouz

Karim Aïnouz revelou que compreende e aprende bastante com as discussões acerca do lugar de fala. “Acho um debate profundamente produtivo, capaz de me fazer refletir sobre ideias inimagináveis há cinco anos ou 10 anos. Quando fiz O Céu de Suely, não cogitei em nenhum momento contratar uma mulher para filmar. Por três razões: não era um debate tão presente naquele momento; eu não estava tão atento a isso; e o mercado tinha muito menos mulheres do que agora. Não é só sobre de onde você fala, mas como você fala. Em A Vida Invisível, a montadora, a diretora de produção, a técnica de som e a fotógrafa são todas mulheres. Por isso acho o debate produtivo, ele me provocou a tomar essas decisões.”

Arquitetura em Brasília

A vida nômade de Karim começou por causa de um elemento curioso, a falta de talento para desenhar. Reprovado no teste de aptidão técnica para o curso de arquitetura na Universidade Federal do Ceará, ele buscou outras cidades que pudessem lhe abrigar. Sonhou em ir para São Paulo, mas o dinheiro não permitia, e acabou em Brasília, no curso de arquitetura da UnB. “Lá, tinha uma escola muito boa de arquitetura e não tinha esse teste de aptidão. Além disso, eu poderia morar com uma prima minha, então não precisaria gastar muito dinheiro”, lembra.

Rogerio Resende/Metrópoles
Karim Aïnouz estudou arquitetura na Universidade de Brasília (UnB)

O então estudante aterrissou na capital em 1983 e ficou até 1985, anos que classifica como abençoados. “Cheguei lá usando uma chinela de rabicho, um cabelo grande, barba e uma calça de algodãozinho. Depois de duas semanas, eu virei punk. A cidade me ensinou muito a ser quem sou e me tirou de um lugar de flacidez para um lugar de confronto. Era um momento da história de Brasília que você tinha grandes bandas de rock surgindo, uma cena noturna muito importante”, contou Karim. Ele relembrou ainda que foi no Distrito Federal onde começou a se engajar politicamente.

Minha tomada de consciência política aconteceu lá, muito por causa dos protestos contra o reitor da Universidade Federal de Brasília, que era o José Carlos de Almeida Azevedo. Houve uma espécie de catalisador do meu amadurecimento

Karim Aïnouz

O sexo sempre esteve presente na obra do diretor. Em 2014, seu filme Praia do Futuro se viu em meio a polêmicas e debates sobre homofobia quando alguns cinemas começaram a avisar aos espectadores sobre a presença de cenas de sexo entre pessoas do mesmo gênero na obra. Agora, A Vida Invisível exibe algumas cenas de sexo em um momento em que parte da classe política confunde sexo com pornografia, polêmica alavancada pelas críticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) contra o filme Bruna Surfistinha. Sobre o tema, Karim afirmou: “Eu acho que é medo. Vilanizar o sexo, na minha cabeça, é medo. Quem não gosta de gozar? Quando alguém vem com uma pauta que é nesse sentido do conservadorismo, é muito complicado”, conclui.

A Vida Invisível chega aos cinemas do nordeste no dia 19 de setembro. O restante do Brasil confere nosso candidato ao Oscar a partir do dia 31 de outubro.

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