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Eryk Rocha: “‘Cinema Novo’ é uma aventura da criação”

Filho de um dos nomes mais importantes do cinema no Brasil, o diretor vai exibir seu novo filme na abertura do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

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Eryk Rocha
1 de 1 Eryk Rocha - Foto: Divulgação

A relação de Eryk Rocha com a sétima arte surgiu de forma orgânica, cercada de signos mágicos afetivos marcantes. Filho de um dos nomes mais importantes do cinema no Brasil e exterior, o baiano Glauber Rocha, Eryk nasceu em Brasília há 38 anos, em meio às filmagens do derradeiro filme do pai, o experimental “A Idade da Terra”, todo rodado na cidade. Isso, por si só, já faz de sua participação na abertura na 49ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na próxima terça-feira (20/9) um acontecimento especial. Eryk abre o evento com “Cinema Novo”.

“Eu e minha equipe estamos muito orgulhosos, é uma honra especial abrir o Festival de Brasília com ‘Cinema Novo’. Será a primeira exibição pública dele aqui e nasce no Brasil na tela de um dos festivais mais importantes do país, que tem essa tradição do cinema de invenção”, disse empolgado o cineasta em entrevista ao Metrópoles.

Vencedor do Troféu “Olho de Ouro” do Festival de Cannes em maio deste ano na categoria, Melhor Documentário, “Cinema Novo” já circulou pelas principais mostra de cinema da Europa e América do Norte, chegando ao Brasil encapsulado numa aura mítica que engloba memória, estética e, sobretudo, reflexão política sobre o passado, presente e futuro. Sim, porque para Eryk Rocha, com sua voz glauberiana, memória significa construir o amanhã.

“Vários desses filmes do movimento Cinema Novo ecoam visceralmente no Brasil de hoje. Filmes que eram um retrato do Brasil naquele momento nos anos 60, testemunhas daquele Brasil que estava em transformação, um Brasil vítima do Golpe Militar, que sofreu com a Ditadura, aquele Brasil que estava deixando de ser rural para ser urbano, e o movimento captou isso de forma brilhante em muitos de seus filmes”, avalia o cineasta.

Interessante o conceito, releitura e a desconstrução criativa que Eryk Rocha dá à palavra “movimento” à sua obra dentro do contexto dos filmes realizados por cineastas como Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos e, claro, Glauber Rocha, entre tantos outros. Longe de convenções, “Cinema Novo” foge de qualquer didatismo, sendo o que Eryk classifica como uma “aventura da criação” calcada no processo de montagem.

“É um filme de arqueólogo, esse foi o desafio da montagem: trabalhar com essa multidão de imagens para criar um filme de uma hora e meia”, comenta o cineasta, que com o trabalho realiza aqui seu sétimo longa-metragem desde a estreia sentimental em 2002 com “Rocha Que Voa”. Construído a partir de entrevistas do pai Glauber Rocha que encontrou nos arquivos do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos, o documentário emergiu como diploma de sua formação como cineasta adquirida na ilha.

Material de acervo precioso
“Cinema Novo” nasceu há oito anos, no encontro de Eryk Rocha como Canal Brasil, importante vitrine do cinema nacional. O curioso e irônico é que até então ninguém havia pensando na abordagem desse tema. Simbolicamente, ele acabaria nas mãos do filho de um dos mais importantes representantes do movimento que revolucionou a estética e a criação cinematográfica nos anos 60 e 70 no Brasil.

“Percebemos juntos que vários cineastas do Cinema Novo estavam partindo, falecendo e o que impulsionou esse projeto foi essa urgência de filmá-los, criar esses encontros e conversas com eles, registrar essa memória viva. Essa foi a primeira fase do projeto”, detalha o diretor, que filmou 20 conversas entre 2008 e 2010, retomando à montagem em 2015. “Eu brinco que esse material que eu filmei ficou descansando, sonhando, ficou ali em suspensão e eu fui decantando o filme nesse tempo”, poetiza Eryk, que junto com o montador Renato Vallone, passou nove meses editando “Cinema Novo”.

Além de entrevistas com ícones do movimento, “Cinema Novo” traz como raridade registros garimpados em acervos pessoais dos principais nomes do movimento e material de televisão de várias partes do mundo. Uma gravação para a televisão francesa mostra cineastas do movimento no quintal da casa de Luiz Carlos Barreto (o Barretão, um dos nomes importantes da produção do movimento) tendo como convidados nomes da prestigiada revista francesa “Cahiers du Cinéma”, além do teórico Edgar Morin.

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Leia entrevista com Eryk Rocha:

Paralelo entre os filmes do Cinema Novo e o Brasil de Hoje
O Rogério Sganzerla (ícone do Cinema Marginal, diretor do clássico “O Bandido da Luz Vermelha”) dizia uma coisa que acho muito interessante que é: “só o estilo resiste ao tempo”. Então vários destes filmes, além de serem filmes daquele momento, eram filmes que falam do Brasil, do povo brasileiro, muitos deles trazem uma forma muito inovadora, uma nova forma de fazer cinema e isso é eterno, se comunicava com várias gerações através do tempo. Então nesse estado de espírito o Cinema Novo é algo muito atual quando se vê que o Brasil está vivendo um momento de ebulição e transformação política.

O Cinema Novo e o legado para as novas gerações
A pergunta que eu me faço é como o cinema atual vai testemunhar esse momento do Brasil? Como não só a minha geração, mas o audiovisual no Brasil vai olhar e interpretar esse Brasil que está em movimento? Como vai dialogar com isso? Então a grande herança, o grande legado que o Cinema Novo deixa, é o legado de pensar possibilidades do cinema em qualquer época, inclusive agora, de estar pensando sobre sua própria época.

O desafio de um cinema de memória para o futuro
Teve três forças primordiais que me moveram a fazer esse filme e que estou começando a assimilar agora que o projeto está nascendo: tentar entender melhor de onde vim, as minhas raízes, não só afetivas e familiares, mas no sentindo da importância que o Cinema Novo teve para muita gente da minha geração. O outro ponto é para saber porque eu quero continuar a fazer cinema. Estou com 38 anos de idade, esse é meu sétimo longa-metragem, então comecei a me perguntar o que me movia a continuar inventando filmes neste país hoje.

Esse mergulho no movimento do Cinema Novo me contagiou, estudar, ler sobre todos esses autores, isso tudo me revigorou muito, me fez pensar por que eu quero continuar fazendo filmes. E o terceiro ponto de fazer esse filme é o desejo de tentar entender melhor o país hoje, não o país daquela época, anos 60. Então, nesse sentido, fazer um filme de memória me interessa à medida em que essa memória é a construção do futuro também, não a memória do museu, nostálgica, do passado, da mistificação cristalizada, e sim uma memória que está em movimento. Os próprios filmes do cinema novo ganharam movimento com o tempo e podem ser reinterpretado hoje.

Glauber Rocha influenciou Eryk Rocha?
Isso aí é vocês que têm que dizer os críticos e jornalistas. Não seria pretensioso para fazer essa avaliação. Não sei se influenciou, mas me inspira. É uma inspiração constante e não só para mim, mas para muita gente da minha geração. Acho que o Glauber Rocha é uma matriz, uma raiz muito forte do nosso cinema, da nossa cultura brasileira, como meu pai e como grande pensador e artista que continua tão atual, vivo, sanguíneo, é uma inspiração sem dúvida.

“Cinema Novo foi um espelho complexo do Brasil”
É importante a gente destacar a pluralidade do Cinema Novo, um movimento que foi muito heterogêneo, com cada autor trazendo um olhar do mundo. Acho que isso que dá riqueza ao movimento, apesar de ser um movimento com muita unidade, é um movimento cuja unidade é criada de uma diversidade estética, de estilos de olhar o mundo, quase um espelho complexo do próprio Brasil.

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