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Crítica: resultado final de Vice é prejudicado por indefinição de tom

Entre cenas hilárias e extremamente irônicas, o filme adota tons sérios e até mesmo moralizantes para representar o absurdo Dick Cheney

atualizado

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Annapurna Pictures/Divulgação
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1 de 1 capa121 - Foto: Annapurna Pictures/Divulgação

Retratar histórias de presidentes (e seus vices) americanos é meio caminho andado para um filme ser indicado ao Oscar. Aliás, é quase certo que o longa vá receber alguma estatueta: é o caso do mediano Lincoln (2012), que teve 12 indicações e levou o prêmio de melhor ator para Daniel Day-Lewis e também o de design de produção. Com Vice não seria diferente: o filme teve oito indicações e seu ator principal, Christian Bale, é o favorito à estatueta à qual concorre.

Não é sem merecer. Bale, figurinha carimbada nas listas de atores que mais se transformaram em papeis, está um colosso na pele do ex-vice presidente americano Dick Cheney. O intérprete confere ao estadista características que ele demonstrou em sua vida pública: um homem mediano, sem muita educação e de poucas – absurdamente desinteressantes – palavras. Ainda assim, é impossível parar de olhar e até mesmo de considerá-lo intrigante, como se fôssemos motoristas curiosos que querem saber todos os detalhes de um acidente na pista.

Annapurna Pictures/Divulgação
Lynne e Dick Cheney: um casamento entre dois parceiros de um projeto de vida muito ambicioso e nada ético

 

No papel da esposa do estadista, Lynne, Amy Adams, assim como seu companheiro de tela, desaparece na personagem. Se Dick era silencioso, a vice primeira-dama faz as honras da casa com discursos inflamados que desnudam o conservadorismo tacanho da classe à qual pertencem. Aliás, a impressão que o longa deixa é a de que Lynne mandava muito mais no governo americano que o próprio presidente, George W. Bush.

Vivido por Sam Rockwell, que também sumiu debaixo da excepcional maquiagem, “o homem com o trabalho mais importante do mundo” é retratado como mero fantoche, um bobão facilmente manipulado por Cheney. A montagem deixa isso bastante claro ao mesclar cenas de pescaria – atividade adorada pelo vice – com a conversa na qual ele convence o presidente de entrar em guerra. Anteriormente, no filme, uma das filhas de nosso personagem principal questiona se o que fazem com os peixes é maldade. “Estamos só pescando”, argumenta o pai. Não existem, portanto, dilemas éticos na política.

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O longa brilha nas cenas mais engraçadas, quando apela para o nonsense. Levando a licença poética muito ao pé da letra, o roteiro imagina diálogos absurdos, como uma longa conversa num inglês shakespeariano entre Dick e Lynne, furtando-se de especular se o casal havia de fato planejado tomar o poder nos Estados Unidos desde o lançamento da nova chapa presidencial.

Vice é um filme complicado por seu tom indefinido: minutos após um diálogo engraçado, nos deparamos com cenas sérias, de fatos graves. A mudança de humor no filme lembra muito a de Esquadrão Suicida (2016). Coisa boa não é. O diretor Adam McKay parece não conseguir decidir entre o deboche com a política americana e a seriedade da Guerra do Iraque. Ao tentar provar que essa escolha não precisa ser feita, McKay entrega um filme intrigante, mas intelectualmente desonesto.

Avaliação: Regular

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