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Cannes: “Zombi Child”, de Bertrand Bonello

O diretor Bertrand Bonello conseguiu criar um filme zumbi que finalmente escapa da influência de George Romero.

atualizado

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Festival de Cannes/Divulgação
Zombi Child
1 de 1 Zombi Child - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Finalmente, após mais de 50 anos, alguém consegue variar o tema do filme zumbi suficientemente para não se relacionar com os filmes do mestre George Romero. Romero imaginou o zumbi como um ser resoluto cuja única vontade era devorar seres humanos, se alimentando e criando outros zumbis. A epidemia resultante, mesmo se movendo de forma vagarosa, causaria um colapso societal. A massa gigante de mortos-vivos, vagarosos ou ligeiros, poderia simbolizar o consumerismo desenfreado ou alienação.

Bonello rompe com esta tradição de 5 décadas, mas retorna ao passado, de uma forma. Enquanto os seres de Romero tiveram influência extra-terrestre, o diretor francês viaja ao Haiti. Além do país caribenho ser o berço do mito, como uma ex-colônia francesa, permite que o roteiro ainda carregue todo este subtexto de exploração comercial e societária.

Claro que as sinas do passado são visitadas sobre jovens que sequer estavam vivos naquela época. O filme oscila entre duas épocas. Na primeira, 1962, estamos no Haiti, e Bonello adapta a história “real” de Clairvius Narcisse (Bijou Mackenson), que foi “zumbificado” e condenado a trabalhar em plantações de cana, dia e noite, sem vontades ou livre-arbítrio. A outra é em 2019, na França, onde a jovem estudante Fanny (Louise Labèque) oscila entre o tédio e uma obsessão romântica.

A escola é um berço para a elite–gigantesca, imponente e clássica. Para lá é transplantada Mélissa (Wislanda Louimat), que se mudou para Paris diretamente do Haiti. Talvez pelo seu exoticismo, Fanny logo a abraça, e a introduz para seu grupo de amigas (todas no modo clássico da juventude de elite, superficiais, desinteressadas na vida e loucas por uma garrafa de álcool. Existe aqui uma outra camada de metáfora, aonde os descendentes daqueles que viveram como mestres de um império incorporam uma maldição desta sina original.

Fanny logo esclarece que um de seus interesses é a cultura zumbi e a possibilidade de um exorcismo, por uma possessão um tanto inusitada. Sua busca, com ajuda relutante de Mélissa é uma jornada sobre a história real do termo e uma narrativa tensa sobre o que vai acontecer quando ela conseguir o que deseja. Questionada, Fanny chega a virar o jogo pra se defender, falando algo como: “só porque sou branca não posso me interessar por isso?” A ironia é proposital, pelo diretor.

O pequeno defeito do filme é seu elenco. Não é tão fácil para atores juvenis criarem personagens interessantes enquanto tem de exalar tédio ou monotonia. O filme também incorpora bastante didatismo, com uma palestra em sala de aula no começo do filme, e explicações sobre o que está acontecendo no final constantemente verbalizadas.

A trilha sonora assombrosa e a iluminação dramática, criada por seu fotógrafo são pontos fortes. A atenção aos detalhes da cenografia e da direção de arte já são marcas registradas de Bonello.

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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