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Cannes: “Les Filles du Soleil”, de Eva Husson

Filme sobre guerreiras curdas inova com mulheres no comando, mas a história é a mais tradicional possível.

atualizado

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Festival de Cannes/Divulgação
Filles du Soleil
1 de 1 Filles du Soleil - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Os extremistas do ISIS nunca encararam uma força tão destemida quanto o esquadrão de mulheres lideradas por Bahar (Golshifteh Farahani), a Unidade Kurda de Proteção às Mulheres (YPJ na língua original). Escondidas nas montanhas, elas acumulam vitórias e se preparam para tentar liberar a cidade onde viviam, antes desta ser atacada. Nossa entrada neste grupo é providenciada por Mathilde (Emmanuelle Bercot), fotógrafa de guerra francesa que espera superar um trauma pessoal ao contar a história destas guerreiras furiosas.

O filme oscila entre o presente e o passado destas mulheres, de sua vida societária estável (a própria Bahar era uma advogada bem-sucedida) até a barbárie de um ataque extremista, aonde seu maridos são exterminados, seus filhos encaminhados ao treinamento de soldados infantis e seus corpos sequestrados para servirem as necessidades sexuais dos soldados. As mulheres que conseguiram sobreviver, e escapar, formaram a YPJ, e lutam não por ideologia, mas sim como um inegável chamado por uma justiça cármica, uma busca sem garantia alguma para recuperar filhos perdidos e punir os agentes de sua dor.

Mesmo que sem querer, nada poderia privilegiar tanto o filme da diretora francesa Eva Husson quanto o clima cultural atual. Se concordarmos que filmes não devem ser julgados de maneira atemporal, mas sim como um reflexo de sua atualidade, “Les Filles du Soleil”, que é lançado agora, mas cuja produção, julgando apenas pelo seu escopo, pode ter ocorrido antes do movimento Me Too. Aqui temos um filme dirigido por uma mulher, protagonizado por mulheres guerreiras lutando contra a imposição de uma estrutura patriarcal que violou seus corpos e suas famílias não de maneira metafórica, mas no campo de batalha. Precedido por uma demonstração de 82 mulheres artistas, incluindo a presidente do jury, Cate Blanchett, no tapete vermelho, o filme tem grandes chances de levar para casa a premiação principal.

Como filme e narrativa, porém, ele não é muito diferente de qualquer obra de estúdio americano. Husson inova ao contar sua história com protagonistas interessante, mas o faz da maneira mais tradicional possível. Todos os clichês estão lá: a música que explicita os momentos de emoção, os largos planos de paisagem e contemplação da beleza natural que é palco da crueldade humana, e a coleção de relatos traumáticos que beiram a categorização de misery porn (até o parto obrigatório em uma situação adversa acontece).

O pior enxerto de todos é a personagem “ocidental”, completamente desnecessária perante o que está acontecendo no filme e tomadora de um tempo melhor utilizado pelas personagens curdas. Um esboço de algo interessante ocorre quando Bahar descobre as motivações de Mathilde. Ela estranha que alguém iria para guerra por opção, enquanto o que todas suas guerreiras desejam é um retorno à um tempo sem guerra. Além de uma curta conversa, nada é muito explorado. Mathilde ainda é provida de um monólogo no final do filme, uma lição de moral típica de Hollywood.

Apesar desta crítica generalizada, “Filles du Soleil” permanece um bom filme. Seja pela imagem para muitos inédita de mulheres em combate, seja pela entrega e emoção com a qual as atrizes se entregam aos seus papéis ou mesmo, finalmente, pela constante lembrança de que tudo que vemos na tela está acontecendo de verdade, em terras distantes da “civilização ocidental”, merece ser visto.

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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