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Cannes: “Le Livre d’Image”, de Jean-Luc Godard

Ainda abandonando o cinema narrativo, o mestre francês brinca incessantemente com vídeo e áudio em virtude da iconoclastia

atualizado

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Festival de Cannes/Divulgação
Le Livre d’Image
1 de 1 Le Livre d’Image - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Jean-Luc Godard se comunica cada vez mais com plateias menores. Desinteressado em fazer cinema para grandes públicos, e lutando para inovar o sistema de linguagem da própria sétima arte desde a década de 60, seus filmes mais recentes estavam ficando cada vez mais eruditos. “Le Livre d’Image”, porém, mostra um diretor brincalhão e sorridente, pelo menos por grande parte de sua direção. O filme cai ao final porque Godard não é de ferro, e volta a lecionar de maneira opaca.

O filme é difícil de se descrever, assim como outros trabalhos de arte abstrata. Melhor, então evocar uma imagem: Godard, fazendo um filme inteiro em frente à sua ilha de edição pessoal, brincando com todos os botões e sincronizadores tanto no console físico quanto nos programas de pós produção em software enquanto narra suas ideias em frente ao microfone. De maneira jocosa, assim foi feito o filme, inteiramente composto por imagens e cenas de filmes e de noticiários já existentes. A narração, inteiramente em off, vem do próprio diretor. (Não sei se de maneira proposital ou não, vários trechos destas falas não receberam legendas em inglês.)

Vários dos filmes favoritos de Godard fazem aparições, dentre eles “L’Atalante”, de Jean Vigo e “Kiss me Deadly”, de Robert Aldrich. Seria certo caracterizar essa sua nova técnica como brincalhona? Buscar sentido na união destas imagens, as vezes retorcidas, rebobinadas, tiradas de fitas VHS, colorizadas ou descontextualizadas é difícil. Vemos uma certeira provocação quando ele mistura violência cinematográfica com violência real (incluindo várias execuções pelo grupo terrorista ISIS). Além disso, o que dizer de um novo trabalho de Godard? Quem conhece e gosta, também o apreciará. Para quem não conhece, seria uma péssima via de entrada para sua obra.

O erro de “Le Livre d’Image”, é tentar unir dois filmes em um. Ao final do filme, o octogenário brincalhão vai embora e cede lugar ao marxista retórico que inicia uma apresentação sobre os países árabes antes da incursão ocidental e capitalista em busca de petróleo que afetou a região no século XX. A tese apresentada é simples: os estados da região mais pareciam édens terrestres do que as zonas de guerra de hoje antes da corrida monetizada da exploração de seu “ouro negro”. Assistir à um filme inteiro sobre isso, especialmente de Godard, seria interessantíssimo.

Do jeito que está, meramente acoplada à uma experimentação semiótica da natureza da imagem filmada, o próprio título, “Le Livre d’Image”, deixa de fazer sentido. O que antes era uma generalização de escopo aberto, fica restringido e simples, até no próprio texto. A suspeição que a tese e o discurso de Godard sobre a Arábia também não são tão objetivos, pela falta de complexidade com a qual ele lida com estes novos temas, permeia o final da obra.

Avaliação: Regular (2 estrelas) para quem curte Godard

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