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Cannes: “Jiang Hu Er Nv”, de Jia Zhang-Ke

Aclamado diretor chinês finta que explorará um novo gênero, mas retorna aos temas e às contemplações de seus outros filmes

atualizado

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Festival de Cannes/Divulgação
Ash is Purest White
1 de 1 Ash is Purest White - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Como é típico no trabalho de Jia Zhang-Ke, seu novo filme começa numa pequena cidade industrial do interior Chinês. Só que a mina local já quebrou, e as perspectivas de tempos melhores se esfumaçaram. Qiao (Zhao Tao), tenta dar uma assistência ao pai, que se dedica cada vez mais ao álcool, após perder seu emprego na mina. Talvez para contrastar com isto, ela é a namorada apaixonada do mafioso local, Guo Bin (Liao Fan), dono de uma boate noturna.

Só que Qiao fica bem mais energizada quando está com o namorando. Carinhosa e paciente com o pai, feroz e intimidadora com Bin e seus comparsas. O chefe de Bin, um construtor corrupto fascinado por dança de salão (um dos detalhes de personalidade mais hilários de toda a obra do diretor), é assassinado e o gângster de segunda categoria é promovido a um ranking ao qual ele não está minimamente preparado. De fato, quando membros de uma gangue rival o cercam para matá-lo, Bin é resgatado pela namorada no que é, claramente, a mais bem fotografada e acelerada do filme. Presa pela polícia, Qiao diz que a arma usada no episódio é dela, para proteger o verdadeiro dono, seu namorado. Condenada a 6 anos de prisão, ela termina sua sentença fixada em reencontrar Bin para um confronto.

Logo de cara, vemos que o diretor está trabalhando na mesma linha de sempre: uma das sequencias iniciais numa boate, ao som da música YMCA, de Village People, evoca momento similar em seu filme prévio, aonde a cena de dança acontece com GO WEST, dos Pet Shop Boys. Ele é o diretor de uma China que flerta com o pop ocidental, que o busca como referência, mas que sofre na adaptação desta proposta de liberdade no meio da burocracia existencial de seu Estado. Seus filmes não se passam em estruturas governamentais da China, mas poderiam, pois sua corrupção e opressão permeiam tudo.

Zhang-Ke é um dos melhores cineastas em atividade, ao redor do mundo inteiro, quando retrata dinâmicas interpessoais e conflitos entre pessoas. Quando abre o escopo de seus filmes, o poder de sua construção narrativa se dissipa. Tanto este filme quanto o prévio, começam com a introdução de três ou mais personagens interessantes (neste caso Qiao, Bin e o chefão) e nos permite passar tempo com eles, assistindo suas personalidades e motivações florescerem e acuarem.

No segundo ato algo acontece para dividí-los (aqui seria a morte do chefe seguido pelo atentado contra Bin e o imprisionamento de Bin), e no resto do tempo vemos os personagens que sobraram relacionando-se não uns com os outros (pelo menos na maior parte do tempo), mas sim com suas próprias existências perante uma China em processo de modernização. Em um outro filme com os mesmos temas, “A Touch of Sin”, Zhang-Ke conta três histórias diferentes, que não se relacionam diretamente, o tempo mais curto de cada episódio infla os conflitos interpessoais e diminui a amplitude do filme como um todo, resultando num trabalho melhor.

A força do filme está em sua estrela, Zhao Tao, presente em quase toda a filmografia do diretor e, na “vida real”, sua esposa. Qiao, ao sair da prisão em 2006 precisa se reinventar a cada passo dado neste novo mundo, e Tao carrega o filme e a personagem em seus ombros. Seu desespero em encontrar qualquer coisa que a tire da missão de encontrar Bin é palpável–uma cena num trem, que envolve uma conversa sobre OVNIs e uma tentativa de romance é a melhor delas.

Por mais que o mundo mude, porém, a atração gravitacional de nossos passados é forte demais para um recomeço limpo. Qiao consegue finalmente encontrar Bin; impossível escapar, e embora a tensão deste reencontro dê uma certa energia de volta ao filme, as prolongadas sequencias seguintes voltam a desinflar sua própria catarse.

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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