metropoles.com

Cannes: “Capharnaüm”, de Nadine Labaki

Drama neo-realista sobre um menino que processa os pais por abandonarem-o num mundo cruel deve ser um dos favoritos ao troféu principal

atualizado

Compartilhar notícia

Festival de Cannes/Divulgação
Capharnaum
1 de 1 Capharnaum - Foto: Festival de Cannes/Divulgação

Não escolhemos o fato de termos nascidos, assim como quem são os nossos pais ou em qual país emergimos do ventre. Mas, se resolvermos não nos conformamos com estes fatores, podemos exigir alguma providência jurídica? Zain (Zain Al Rafeea), um menino libanês de 12 anos está num tribunal no começo de “Capharnaüm”, em pé defronte aos seus pais, processando-os por trazerem ele ao mundo. É uma premissa com apelo instantâneo, e resta à diretora Nadine Labaki entregar uma história à altura.

A cena do tribunal é uma introdução; a maior parte da história mostra a vida que a criança leva, e os eventos que o levariam a tomar sua atitude. A vida de Zain é tão ruim, que ele mesmo decide abandonar a casa para morar nas ruas. Seus pais são os piores possíveis: colocam os filhos para ajudá-los em esconder drogas que mandarão para um parente encarcerado já no início. (Os pais, por falar nisso, são o bicho-papão do neo-liberalismo, fábricas de fazer filhos. Nem o próprio Zain parece saber quantos irmãos tem.)

Quando eles vendem uma de suas filhas, de 11 anos, como para comerciante local, por algumas galinhas, Zain finalmente decide partir. Suas caminhadas pela cidade o conectam com uma refugiada africana, Rahil (Yordanos Shiferaw) e seu bebê, Yonas (Boluwatife Treasure Bankole). A sequencia mais marcante do filme é um longo período em que Zain é forçado a se virar sozinho com este bebê. A luta dos personagens do filme, é bom lembrar, é meramente para sobreviver.

O bebê, aliás, merece um parágrafo à parte. Se já é difícil para um diretor conseguir uma atuação de uma criança, Labaki parece ter feito o impossível, treinando um bebê para atuação em cinema. O pequeno Yonas é a arma secreta do filme, e pelo tanto de tempo de cena cedido ao personagem, é difícil negar que foi uma verdadeira atuação. Uma das melhores do ano, com certeza.

Em matéria de estética, Labaki parece unir as vontades do neo-realismo italiano com um pouco da tecnologia atual. Câmeras na mão, que penetram os caminhos estreitos de Beirute se juntam a planos aéreos feitos por drones. É fácil lembrar de “Cidade de Deus”, mas sem o aspecto de video-clipe e o excesso de filtros.

“Capharnaüm” é um filme com falhas, especialmente quando o roteiro contorce frases para que personagens anunciem em claro e bom tempo os temas do filme. Em uma troca, uma fiscal diz para Zain que ele precisa apresentar documentos para que ela “saiba que ele é um ser humano”. (Para a burocracia estatal, o que importa é o papel, e não a pessoa que está em pé ali na frente, entende?) Mas o fato de que Labaki consegue contar essa história de uma maneira que não mergulha nem em misery porn e nem em melodrama, junto com as atuações das duas crianças, compensa.

A Favorita
Como se sabe, premiações artísticas são processos tão políticos quanto a própria política, e Cannes, este ano, vive um momento em que se discute muito o papel e o tratamento das mulheres dentro desta indústria. Natural, portanto, que se observe uma pressão sutil para que uma mulher vença a Palma de Ouro. É uma pressão ingrata para o júri, presidido por Cate Blanchett: por um lado, se uma das 3 diretoras for a grande vencedora, receberá críticas de que foi um prêmio “de cota”. Do contrário, se um homem vencer, o júri será cobrado, mais uma vez, por ignorar as mulheres. (Até hoje, apenas uma mulher, Jane Campion, levou para casa a Palma de Ouro.

A boa notícia é que “Capharnaüm”, dirigido por uma mulher, é uma boa opção para vencer. É um filme com perfil habitual de premiações: drama social sobre protagonistas que precisam liderar com inúmeras dificuldades. Além de tudo que já foi mencionado, vem de uma região geográfica muito punida nos últimos anos, uma região para a qual um triunfo internacional será muito bem recebido.

Avaliação: Ótimo (4 estrelas)

Compartilhar notícia