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Cannes: “120 Battements par Minute”, de Robin Campillo

O dia-a-dia de uma organização de protesto tem muito a ensinar nos dias de hoje

atualizado

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Divulgação/Festival de Cannes
120 Battements
1 de 1 120 Battements - Foto: Divulgação/Festival de Cannes

Os cidadãos do mundo estão mais politicamente engajados do que nunca em 2017, e não é por pouco. Mas enquanto um grande número sai às ruas em protesto, a vasta maioria dos revoltados de hoje se expressam apenas em seus timelines do Facebook e do Twitter, compartilhando links falsos e tendenciosos ou meras frases desconexas e descontextualizadas que apropriam para o próprio pensar, sem nem levantarem da cadeira. “120 Battements par Minute” é um filme sobre protestos numa época em que não existia internet, o início dos anos 90.

Sem um só personagem que domine a trama, a história do grupo de protesto ACT UP, que procurou trazer conscientização e ação política para a epidemia de AIDS que assolava a França num ritmo maior do que em outros países europeus. Tanto as grandes empresas farmacêuticas quanto o governo de François Mitterrand se recusavam a fazer campanhas públicas de prevenção ou a oferecerem medicações promissoras ainda em teste para a população, e as melhores partes do filmes são as encenações de protestos e as reuniões semanais entre os membros do grupo, que debatem e discordam violentamente entre si sobre que rumos tomarem.

Act Up tem todo tipo de gente entre seus membros. Enquanto a maioria são homens jovens homossexuais, vemos também mulheres, heterossexuais, amigos e parentes de pessoas soropositivas. Do grupo, Sean (Nahuel Pérez Biscayart) é o mais vociferoso. Bem novo, mas mesmo assim veterano da equipe, está sempre cobrando ações mais diretas e potencialmente violentas, enquanto o presidente, Thibault (Antoine Reinartz) que sempre prefere permanecer do lado da lei e encorajar sessões de conversa. Talvez isso seja porque Sean é soropositivo, e o tempo que lhe resta, embora incerto, é pouco.

A primeira cena do filme já é um protesto, aonde membros do ACT UP sobem no palco de uma convenção médica, algemam o palestrante, e jogam sangue falso por toda parte. O caos é instaurado e, na reunião pós-protesto, descobrimos que o uso de algemas e de sangue falso não estava no script, foi a ala mais reacionária. 20 anos depois, sabemos dos enormes sucessos, tanto políticos quanto medicinais, já conquistados na luta contra a AIDS, mas estes personagens não. Eles vivem um dilema existencial a todo momento, sem saber se a luta será recompensada ou se eles mesmos estarão vivos para realizá-la.

Nathan (Arnaud Valois) começa o filme como um novato em ACT UP. Logo se apaixona por Sean e os dois vivem um relacionamento ilustrado intimamente pela câmera. Robin Campillo, diretor e co-roteirista, quer detalhar e desmitificar o que ainda restam de barreiras quanto à representação da AIDs na tela. O relacionamento entre os dois, mostrado do começo ao triste e trágico final, é a parte emocional do filme, mas também sua parte fraca, somente pela previsibilidade da tragédia anunciada.

“120” é necessário como um filme que mostra protesto. Algumas das melhores sequencias acontecem quando o ACT UP entra numa escola de 2o grau para distribuir camisinhas, quando eles se infiltram num laboratório farmaceutico carregando sachês de sangue falso ou quando entrar em livrarias pela cidade para carimbarem o livro de um autor homofóbico. Essas sequencias fazem vibrar e torcer, como as longas sequencias em boates, que servem como um refúgio para não se pensar somente na “causa”. Já os debates em reuniões expõem as crises identitárias e existenciais de um grupo composto por pessoas diversas.

Avaliação: Bom (3 estrelas)

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