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Vidente fingia incorporar e extorquia vítimas no DF: “Quero sangue e vidas”

Entre os golpes, está uma encenação que provocou rombo de R$ 200 mil na conta bancária de um servidor público aposentado do Itamaraty

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Alvo de cinco inquéritos instaurados pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) envolvendo crimes de extorsão e estelionato, a falsa vidente Vera Lúcia Nicolitch, 52 anos, deixou um rastro de desespero e prejuízo após explorar a fé das vítimas que cruzaram seu caminho. Com o avanço das investigações conduzidas pela 4ª Delegacia de Polícia (Guará), novos golpes praticados pela falsária passaram a ser apurados. Entre eles, uma grande encenação que provocou rombo de R$ 200 mil na conta bancária de um servidor público aposentado do Itamaraty.

O caso, ocorrido em 2010, foi registrado em maio deste ano na unidade policial e ilustra o poder de persuasão, a lábia aguçada e articulação da suposta vidente no momento de enredar suas vítimas. A filha do servidor, então com 18 anos, foi a primeira pessoa da família a procurar Dona Lúcia, como era conhecida. A vítima chegou a ela por meio da indicação de uma amiga.

Com problemas familiares e sua mãe lutando contra enfermidades, a jovem entrou em contato com a golpista e levou a mãe para uma sessão. Ambas pagaram R$ 100 para que ela jogasse cartas e búzios. No decorrer da consulta, Dona Lúcia afirmou que tinham feito um “trabalho” para provocar a discórdia entre os membros da família.

A falsária pediu para que a jovem e seus pais retornassem em três dias. As vítimas regressaram como combinado, inclusive o servidor aposentado do Itamaraty. Uma mulher que trabalhava para a golpista simulou incorporação de um suposto espírito. A entidade esbravejou que queria tirar a vida dos pais da jovem e que desejava “vidas e sangue”.

Saiba como atuava a vidente e seus comparsas:

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Vovó Cambinda

Logo após a encenação da comparsa, Dona Lúcia também simulou incorporar uma entidade. Desta vez, quem “baixou” na sessão foi o suposto espírito de uma preta velha de nome Vovó Cambinda. A entidade teria dito que seria necessário realizar um trabalho para evitar que a tal entidade maligna fizesse mal aos pais da jovem.

Para isso, seria necessário realizar um ritual de sacrifício, matando um boi ou galinhas, que serviriam para aplacar a sede por vidas do suposto espírito. O preço: R$ 10 mil em espécie, que foram transferidos para uma conta bancária repassada pela vidente.

As vítimas foram orientadas a retornar para uma nova consultas três dias depois para confirmar se o trabalho havia dado certo. Quando a família voltou para uma nova sessão, Dona Lúcia revelou que o “ritual” havia falhado e um novo sacrifício deveria ser feito, custando o mesmo valor pago anteriormente, novos R$ 10 mil.

Assim foi feito. A golpista simulou, novamente, a incorporação da entidade e realizou o novo trabalho. Três dias depois, mais uma resposta negativa. Um terceiro ritual era necessário e, para ele funcionar, ela precisaria viajar para a cidade onde os pais da jovem moravam, no interior do Paraná, e fazer ali o trabalho.

Dona Lúcia foi na companhia de um filho e da comparsa para a cidade paranaense a fim de manter o faturamento dos golpes sobre a família do servidor aposentado. Pela terceira vez, a vidente simulou incorporar novamente uma entidade. Nessa ocasião, era necessário servir ao “espírito maligno” uma bacia cheia com o sangue de um boi preto, de uma raça específica.

O homem chegou a questionar onde conseguiria um boi daquela raça. Em resposta, a vidente disse que receberia o dinheiro do trabalho e do boi e ela própria resolveria a questão. Assim foi feito mais uma vez.

Quadro mediúnico

A falsária afirmou que voltaria para o Distrito Federal, faria o trabalho e logo avisaria às vítimas se havia dado certo ou não. Antes de deixar a casa da família no Paraná, Dona Lúcia perguntou sobre um quadro que havia encostado no canto da casa, com a pintura de um cavalo. A jovem afirmou que ela seria a autora da pintura. A golpista disse que precisava analisar o quadro e o levou para Brasília. Quando retornou ao DF, a vidente ligou para a família e disse que, enfim, o trabalho havia dado certo.

A família passou meses sem ter contato com Dona Lúcia. No entanto, quando voltaram para passar férias no DF, foram, novamente, até a casa dela, dessa vez, no Guará II. A jovem comentou com a vidente que uma pessoa próxima a ela havia morrido. Dona Lúcia afirmou que a pessoa falecida era iluminada e morreu no lugar da jovem, após terem feito um “trabalho” para matá-la. A suposta vidente pediu mais dinheiro para realizar um ritual que garantisse a “paz” do morto. Novamente, mais dinheiro foi transferido.

Veja vídeo sobre os golpes praticados por Dona Lúcia:  

 

A filha do casal resolveu estudar sobre espiritismo e percebeu que muitas ações da falsa vidente não condiziam com as doutrinas espíritas. Conversando com a mãe, a jovem soube que os pais tinham pago, ao todo, cerca de R$ 200 mil para Dona Lúcia.

Dez anos se passaram até a mulher ver notícias da prisão de Dona Lúcia e de seus filhos durante uma operação desencadeada pela PCDF, em 26 de maio deste ano. Com isso, resolveu ir até a delegacia responsável pelo caso e contar que sua família havia sido lesada pela golpista.

Segundo o delegado adjunto da 4ª DP, João de Ataliba, mesmo 10 anos depois, o caso ainda pode ser apurado. “[A vidente] poderá responder por todos esses crimes de extorsão e estelionato, mesmo eles tendo ocorrido 10 anos atrás. Ela abusava da fé e da fragilidade das pessoas para ganhar dinheiro. Estamos esperando novas vítimas procurarem a delegacia”, disse.

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