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Rachas turbinados a bebidas no Eixo Monumental

Equipe de reportagem do “Metrópoles” flagra carros a 200km/h no centro da capital. Largada é no Shopping Popular, onde funciona posto do Detran. Jovens bebem antes de correr

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
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O deboche começa pelo ponto de encontro: estacionamento do Shopping Popular, onde funciona um posto do Detran. O horário da zombaria despista a previsão das autoridades. Já passou do expediente dos fiscais, mas ainda não chegou a madrugada. Quinta-feira, 22h. Carros aparentemente comuns começam a ocupar as vagas do centro comercial ao lado da antiga Rodoferroviária.

Os motoristas, turbinados com cerveja, uísque, vodca e catuaba, estão ansiosos para mostrar a potência de seus carros envenenados. Vêm direto do trabalho ou das universidades. Nesse lugar, tudo cheira a proibido. Até a música que toca – Parara Tibum, da MC Tati Zaqui, foi interditada por problemas de direitos autorais. Wesley Safadão também bomba. O som mais aguardado, no entanto, é o ronco dos motores.

Encontros são no estacionamento do Shopping Popular, onde funciona posto do Detran

 

Em frente ao Detran, ao lado de um quartel militar e a quatro quilômetros do Palácio do Buriti, jovens desafiam a lei. Grupos de até 150 motoristas participam todas as quintas-feiras de rachas. Tendo como ponto de partida a pista Parque Ferroviário de Brasília (PFB), chegam a fazer 160km/h em uma rua de apenas 260 metros. É só o esquenta para eles acelerarem a 200km/h em pleno Eixo Monumental, a via mais importante da capital da República.

 

A reportagem do Metrópoles acompanhou, durante três semanas, os pegas às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia). Das casas do Cruzeiro Velho já é possível ouvir o zunido das turbinas e o cantar dos pneus. No balão de entrada do estacionamento do Shopping Popular, eles iniciam suas exibições com cavalos de pau.

A plateia é formada por jovens. Nem todos correm. Muitos vão assistir e torcer

A disputa entre os pilotos clandestinos começa ainda com os carros desligados. Primeiro, os racheiros medem quem tem o som mais alto. Além da música, o álcool abastece o ego dos corredores. Sempre tem alguém pescando uma lata de cerveja nas caixas térmicas camufladas em porta-malas ou mesmo expostas no chão. Garotas circulam entre as máquinas. Ali, sinal de status é ter grandes rodas de liga leve que custam, em média, R$ 6 mil o jogo. E, quanto mais rebaixado for o carro, mais audacioso será o motorista.

De capôs abertos, os corredores fora da lei falam com orgulho sobre seus motores mexidos – mudanças proibidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Um carro popular, antes com 60 cavalos originais, ganha a potência e o torque de veículos esportivos de até R$ 300 mil. Debaixo da lataria do modelo 2000/2001, pulsa um motor nervoso de 2.8 litros impulsionado por 200 cavalos. Ele vai de zero a 100 quilômetros em seis segundos. Para se ter uma ideia, um Porsche Carrera 911 faz de zero a 100 quilômetros em quatro segundos. Mesmo voando baixo, não são precavidos. Em geral, dispensam o cinto de segurança.

“Por dentro da adrenalina”
É tanto exibicionismo que os motoristas convidam quem assiste aos rachas para entrar nos carros e sentir a adrenalina. “Aqui ninguém anda de cinto”, adverte o motorista do Celta branco. Com uma câmera na mão, a equipe do Metrópoles registrou o estilo de direção delinquente do condutor. Ele comemorou ao alcançar 200 km/h em uma subida e não se abalou depois de levar uma multa.

No meio do percurso entre o Shopping Popular e a EPIA, sentido Sobradinho, o infrator emparelhou com uma Pajero, mas não conseguiu acompanhar a disputa. O que brecou esse motorista fora da lei não foi o instinto de sobrevivência, o respeito ao próximo ou o medo da polícia. Ele só parou por um defeito mecânico em seu sistema de frenagem, conforme mostra o vídeo acima.

Celulares na mão para conferir os vídeos postados minutos depois das corridas

Os encontros dos pegas são marcados pelas redes sociais. Dezenas de fotos e vídeos dos rachas circulam em grupos fechados. Mesmo com a possibilidade de as imagens vazarem, os organizadores não se preocupam em exibir suas imprudências. A certeza da impunidade é tão garantida quanto a próxima disputa.

 

Quem vê lataria, não vê motor
Em um pega onde batalham de Chevette a BMW, nem sempre é possível saber qual carro tem o melhor desempenho. Na quinta (3), o desafiante mais temido entre racheiros do Shopping Popular era um Celta branco. Há quem diga que o possante adulterado nunca perdeu uma. A fama amedrontou o motorista de um Jetta: “Não corro com esse Celta, não. É mexido, é mexido”.

Mais destemido, o dono de um Uno aceitou correr contra o Celta. Os amigos fazem as apostas, que não envolvem dinheiro, mas o palpite de quem será mais veloz. Quando as “máquinas fuçadas” retornam, começam as comemorações de quem ficou na pista. Os dois motoristas param o carro, sorriem um para o outro, continuam a beber cerveja e a procurar outros rivais. Nesse contexto, não existe Lei Seca.

No porta-malas dos carros sempre cabe um isopor com bebidas alcoólicas

 

Durante a noite, o estacionamento fica dividido em grupos. Há os curiosos que não correm, mas querem conhecer os motores alheios. Tem quem vá com a família. Alguns simpatizantes se juntam à turma do racha com seus narguilés. A flagrante ilegalidade virou uma festa.

A fiscalização parece de mentira. No dia do último racha, uma equipe da Polícia Militar entrou no estacionamento. Moradores do Cruzeiro reclamavam do barulho. Naquele momento, todos os que estavam ali se apressaram para desligar o som e se livrar das latinhas de cerveja no chão. De dentro da viatura, os policiais circularam entre os veículos, mas foram embora em poucos minutos. Em seguida, um Gol cinza e um Celta preto emparelharam novamente. Passava de uma da manhã e o barulho das aceleradas ainda era alto.

Imagens: Daniel Ferreira, Gabriel Pereira e Michael Melo
Ilustração: Joelson Miranda

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