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Ramificação do PCC no DF funciona há 14 anos e tem até cooperativa de crédito

A história da facção em Brasília começou em 5 de março de 2001, após o chefe máximo da organização desembarcar em terras candangas

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Rafaela Felicciano/Metrópoles
1 de 1 Rafaela Felicciano/Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

 

Como uma doença que se alastra em silêncio, a influência do Primeiro Comando da Capital (PCC) infectou a mais importante das capitais, a da República. A prisão de cinco integrantes da maior facção criminosa do país em Brasília confirma o que policiais civis investigam há quase 15 anos: o tecido do DF está contaminado pela ação de bandidos do PCC.

Enraizadas no complexo penitenciário da Papuda e pulverizadas em algumas cidades, células do PCC são monitoradas de perto pelos órgãos de inteligência da Polícia Civil do DF. Na última sexta-feira (9/10), a vigilância serviu para deflagrar uma megaoperação, que resultou na detenção de cinco pessoas e no cumprimento de mandado de prisão de outras 44. Um documento reservado produzido pela Divisão de Inteligência Policial (Dipo) a que o Metrópoles teve acesso relata em detalhes a batalha pelo poder que se trava por trás dos muros de concreto armado das cadeias da cidade.

Segundo a investigação da Dipo, a história do PCC em Brasília começou em 5 de março de 2001, após o chefe máximo da organização desembarcar em terras candangas. Depois de peregrinar por diversos presídios do país, Marcos Herbas Camacho, o “Marcola”, foi recolhido ao Centro de Internação e Reeducação (CIR). Apesar da estada ter sido curta – ficou preso até 8 de fevereiro de 2002 –, ele deixou marcas profundas, tanto na mentalidade da massa carcerária quanto na segurança pública do DF.

No curto período em que esteve na Papuda, Marcola criou um braço do PCC chamado pelos criminosos de Partido Liberdade e Direito (PLD). Investigadores da Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) identificaram que a facção havia sido criada nos mesmo moldes da organização criminosa paulista, inclusive em relação às regras contidas em seu estatuto.

A organização criminosa definiu uma série de terminologias para facilitar a comunicação dentro da Papuda. As ordens da cúpula da facção eram transmitidas de dentro dos presídios pelos “torres”, criminosos responsáveis pelo repasse de informações aos “pilotos”, presidiários escolhidos para coordenar os integrantes do PCC que estavam atrás das grades.

Arte: Cícero Lopes

Os levantamentos feitos pela polícia mapearam que o organograma do PCC seria rígido e semelhante a uma estrutura militar, com níveis de comando hierarquizados, divididos em escalões de acordo com o poder exercido pelos membros e suas respectivas funções dentro da facção. A organização criminosa ainda construiu uma rede de colaboradores, formada por advogados, familiares, namoradas e visitantes.

Conduzidas pelo regimento da organização, essas pessoas são responsáveis pela articulação dos interesses dos detentos fora dos presídios, dando suporte jurídico, psicológico e, principalmente, financeiro, inclusive com o gerenciamento de contas bancárias alimentadas com dinheiro faturado com ações criminosas. Sobre as contas bancárias ligadas ao PCC, apenas 20% delas estariam relacionadas às movimentações financeiras de alto valor, acima de R$ 100 mil. O restante estaria relacionado a pequenos depósitos.

Além das contas administradas pelos colaboradores da facção, grande parte dos recursos do PCC estaria ligada a empresas de fachada, como pequenas redes de supermercados, negócios imobiliários, restaurantes, agências de automóveis e até cooperativas de transporte de São Paulo.

Para evitar que tentáculos do PCC se espalhem pelo DF, a Polícia Civil passou a realizar operações na cidade, prendendo 15 integrantes da facção. Durante a Operação Avalanche, desencadeada na última sexta-feira (9/10), foram cumpridos 49 mandados de prisão. O trabalho de monitoramento realizado há nove meses serviu para que os policiais conseguissem se antecipar e surpreender os criminosos.

Durante as investigações, a polícia acompanhou todos os passos dos bandidos e descobriu que os integrantes do PCC fixados em Brasília moravam no Recanto das Emas ou estavam presos na Penitenciária Feminina da Colmeia (no caso das mulheres) e na Papuda. Segundo o delegado-chefe da Deco, Luiz Henrique Dourado, eles foram escolhidos a dedo e precisaram provar que eram perigosos e tinham uma extensa ficha criminal. Os líderes confirmam a periculosidade de cada membro por meio de uma avaliação interna. Crimes graves e com penas acima de 10 anos de prisão, como tráfico de drogas e homicídio, faziam deles mais poderosos. “Se aprovados, preenchem um formulário, participam de uma cerimônia por telefone com os líderes, em que juram lealdade ao comando. Os coordenadores são apresentados e as funções estabelecidas: existe um grupo responsável por organizar os detentos, o tráfico de drogas e os crimes praticados na rua”, explica o delegado.

Arte: Cícero Lopes

Existem motivos de sobra para que as autoridades exerçam uma forte pressão contra o crescimento do PCC no DF. A organização criminosa é tão bem estruturada que chegou a montar uma cooperativa de crédito que financiaria operações pessoais de seus membros. Documentos apreendidos pela Polícia Civil revelaram a existência de R$ 600 mil investidos em empréstimos feitos para integrantes do PCC. O dinheiro obtido costumava ser utilizado por membros da facção que estavam em liberdade para comprar armas e drogas.

No interior das cadeias em que o PCC está presente, ainda existiria uma modalidade de arrecadação de fundos bem diferente do usual: o sorteio de carros, apartamentos e outros bens, por meio da venda de rifas. Cada participante deveria adquirir no mínimo três bilhetes. A operação Avalanche apontou que, dez anos depois, a prática das rifas entre os integrantes do PCC continua. O valor é revertido para uma “caixinha” usada para financiar as ações criminosas.

*Foto: PCDF/Reprodução**
Anotação recolhida com os criminosos: contatos e avisos feitos por cartas *Foto: PCDF/Reprodução**

Parte do dinheiro arrecadado com as rifas seria utilizado no pagamento de transporte de visitantes e familiares de presos, compra de cestas básicas e de remédios. A prática surgiu para dar um caráter “beneficente” à organização criminosa, atendendo às reclamações de presos que estariam insatisfeitos em ter que contribuir com o PCC sem que houvesse uma contrapartida.

A facção foi organizada como uma empresa e todos os gastos deveriam ser controlados detalhadamente. Desvios de verbas e problemas administrativos não seriam tolerados. “Geralmente, essas pessoas são castigadas. Sofrem agressões ou são até mesmo executadas”, ressaltou o chefe da Deco.

Se o PCC criou mecanismos para “agradar” os integrantes, a conversa muda de figura se algum de seus membros resolver deixar a facção. Só existem duas formas de abandonar a rotina de crimes: convertendo-se a alguma religião ou sendo morto.

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