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Negociadores da PM precisam ter sangue frio para negociar com bandidos

Grupo do Bope formado por 11 homens e uma mulher tem papel fundamental no desfecho de conflitos que envolvem reféns. Um dos casos mais recentes foi a retomada do Torre Palace Hotel, em 5 de junho

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Negociadores do BOPE
1 de 1 Negociadores do BOPE - Foto: Michael Melo/Metrópoles

No teatro de operações montado ao redor de ocorrências em que há reféns, os atores principais são os chamados negociadores — um grupo de policiais preparado para travar batalhas psicológicas com sequestradores, suicidas ou qualquer criminoso que mantenha uma vítima sob ameaça. Entre os melhores do país, estão os profissionais do Distrito Federal, que fazem parte do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar. A Companhia de Negociação de Crises é formada por 11 homens e uma mulher.

Uma das missões mais recentes do destacamento foi a retomada do Torre Palace Hotel, em 5 de junho. Em uma complexa ação iniciada no dia 1º daquele mês, com o envolvimento de praticamente todas as forças de segurança do DF, incluindo bombeiros e agentes de trânsito, os negociadores tiveram papel de destaque. Nos bastidores, o grupo do Bope foi fundamental para evitar que o episódio tivesse um desfecho violento.

Inédito para todo o sistema de segurança pública do DF, o cenário vertical do gerenciamento de crise contava com ingredientes explosivos: crianças entre o grupo resistente, muita água e mantimentos para garantir a alimentação dos manifestantes por pelo menos 15 dias, além de uma intensa interferência política, já que se tratava de um movimento social. Geralmente, os negociadores contam com três trunfos que não tinham valor no caso do Torre Palace.

Fome, sede e sono são nossas armas nessas horas, mas não era o caso naquela negociação. Eles estavam abastecidos e podiam se revezar na vigilância.Tivemos que usar outros métodos para que a negociação tivesse um desfecho positivo

Capitão Edson Gondim, comandante da Companhia de Negociação de Crises

 

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Acabou o cigarro
O segredo para conseguir enfraquecer a barreira entre os integrantes do Movimento Resistência Popular (MRP) e a polícia foi o tabaco. O estoque de cigarros mantido pelos manifestantes que ainda resistiam no alto do prédio se esvaiu ao longo dos quatro dias de negociação com a polícia. “Eu não fumo, mas me pediram cigarro e percebi uma janela para me aproximar e tentar retirar um dos homens que atuava como interlocutor do movimento”, explicou o subtenente José Fernandes Lopes, o negociador mais antigo do Bope, com 25 anos de servido e há 12 atuando no batalhão.

O policial resolveu fumar um cigarro com o manifestante. Foi o momento ideal para a equipe tática invadir o prédio abandonado, chegar até o local sem ser percebida e prender o homem. “Além de negociar, temos o dever de coletar informações que abastecem o gerente da crise e, assim, definir meios para resolver o caso sem que haja vítimas”, lembrou o militar, que se revezou com outros oito negociadores durante os quatro dias de trabalho no Torre Palace.

Salvando o cachorro
Os negociadores do Bope lidam diariamente com ocorrências corriqueiras e de alta complexidade. Existem, também, situações inusitadas, como uma de 2013, quando um cachorro precisou ser salvo pela equipe de intervenção tática. Um homem armado com uma faca havia feito três reféns em um bloco residencial da Asa Norte. Em pouco tempo, a família estava em segurança, mas o cachorro da família, da raça pit bull, permanecia em poder do sequestrador.

A ideia dos negociadores era sacrificar o animal com um tiro de precisão e prender o “tomador” — termo usado pelos policiais para se referir aos criminosos que mantêm reféns durante uma negociação. No entanto, a dona do cão pediu para que o animal fosse resgatado com vida. “Pela primeira vez, tivemos que pensar na segurança de um animal e salvá-lo. Parece engraçado, mas na época foi tenso, pois existia a preocupação de que o cachorro pudesse atacar os policias”, ressaltou Lopes.

Os policiais acabaram invadindo o local, e a ocorrência terminou com o suspeito preso e o cachorro resgatado. “Graças a Deus, o animal ficou bem tranquilo e não mordeu ninguém. O suspeito acabou se entregando e não houve feridos”, lembrou o policial.

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Treinos exaustivos
Para ser um negociador do Bope, os militares precisam se voluntariar. Os cursos são realizados em anos ímpares. Além de grande habilidade de comunicação e capacidade de raciocínio lógico apurado, os policiais são submetidos a árduas provas físicas, como correr 2,4km em 12 minutos, nadar fardado por 200 metros, além de flutuar na água durante 20 minutos.

Os policiais passam 45 dias em treinamento, com jornadas de 12 horas. Eles ainda são submetidos a treinos físicos intensos em que precisam fazer barras, abdominais, lições de psicologia, psiquiatria, neurolinguística e simulações de cenários. Na parte teórica, os militares precisam fazer provas discursivas e, no final, passam por exames psicológicos e psicotécnicos.

Única morte
Existe apenas um caso de sequestro com reféns em que o o criminoso acabou morto por um disparo feito por um dos snipers — atiradores de elite do Bope. Em 21 de agosto de 2008, um fugitivo do Complexo Penitenciário da Papuda rendeu clientes de uma drogaria em Ceilândia. Na época, a megaoperação envolveu 150 pessoas, entre policiais militares, bombeiros e agentes do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). Os sete reféns saíram ilesos.

O assaltante Roger Duarte Pinto, 23 anos, no entanto, morreu ao ser baleado na cabeça. Um atirador de elite estava posicionado no segundo andar do prédio em frente à farmácia e o atingiu com um disparo certeiro de um fuzil 7,62mm. Usada durante cinco horas como escudo do bandido e mantida, todo o tempo, sob a mira do revólver de Roger, a caixa Regina Chaves não sofreu ferimento algum.

Roger chegou à farmácia de bicicleta. Encontrou o gerente Silas Almeida Silva, 22 anos, abrindo uma das quatro portas e aproveitou para anunciar o assalto. Recolheu oito celulares com os funcionários, R$ 100 da máquina registradora e nove caixas de Rohypnol — medicamento usado para dopar pessoas no golpe “Boa noite, Cinderela”. Enquanto se preparava para pegar também a tela de LCD do computador e ir embora, acabou surpreendido por policiais militares que passavam a pé pelo local. Ele tentou fugir pelos fundos, mas não conseguiu.

O caso teve repercussão nacional e foi noticiado em todo o país. Veja vídeo:

 

 

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