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Saúde em Brasília é pior que a de país em guerra, diz Diaulas Ribeiro

Procurador do MPDFT assume, na próxima segunda-feira (22/8), o cargo de desembargador do TJDFT

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Michael Melo/Metrópoles
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1 de 1 Michael Melo/Metrópoles - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Até esta sexta-feira (19/8), o procurador Diaulas Costa Ribeiro, uma das vozes mais atuantes do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) nos últimos anos, permanece na casa que lhe garantiu a fama que hoje ostenta. A partir desta segunda-feira (22/8), entra em cena um novo jurista. As polêmicas do procurador darão lugar à discrição da magistratura. Ele é o mais novo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Um recolhimento difícil de imaginar para um profissional que ganhou notoriedade ao tratar de temas polêmicos como cirurgias para mudança de sexo e casos de grande repercussão, a exemplo do acidente aéreo da Gol, em 2006, e o do cirurgião plástico Marcelo Carón, que matou ao menos duas pessoas, em Brasília, depois de realizar procedimentos para os quais não estava preparado.

Como ele mesmo descreveu, a mudança na carreira é como casar um filho. “É uma felicidade, uma sensação de alegria, mas uma perda também”, comparou. Aos 53 anos, ele ainda pretende escrever páginas importantes de sua história nessa nova empreitada.

Em um perfil jornalístico feito em 2002, por Eliane Brum, Diaulas foi descrito como corajoso, polêmico e vaidoso em igual medida. Hoje, passados 14 anos, a proporção se mantém, mas cada uma das características está em processo de acomodação dentro das novas funções que o cargo de magistrado exige. A vaidade, mais madura, cederá lugar a um perfil mais reservado, inclusive nas declarações públicas — o oposto do estilo que teve até hoje ao pregar que o MP precisa de contato com a sociedade. As polêmicas mudarão de rota, da proatividade para a análise. E a nova carreira lhe cobrará tanta coragem no Tribunal quanto lhe exigiram os 25 anos de atuação no Ministério Público.

Ao analisar a atual conjuntura, sua principal área de atuação ao longo da carreira, ele fez duras críticas à forma como o setor vem sendo coordenado. “A saúde no Distrito Federal está pior do que a de países em guerra”, comparou. “Com a diferença que nessas nações, quando a guerra termina, a saúde melhora. Aqui não há guerra para terminar”, prosseguiu.

A grande dificuldade que a saúde pública enfrenta, segundo Diaulas Ribeiro, é a falta de gestão. Ele se lembra com saudosismo da época em que o Hospital de Base era considerado um dos melhores do país, tendo atendido, inclusive, o então presidente-eleito Tancredo Neves. De lá para cá, os principais postos foram entregues a nomeados políticos. Mas os bons nomes existem, e, o agora desembargador, conta já ter feito sugestões a governadores. A resposta era sempre a mesma: “Mas ele não é do partido X”.

Para Ribeiro, esses talentos de gestão na saúde estariam hoje espalhados pela iniciativa privada, “mais sensível a essas habilidades”. Questionado sobre a possibilidade, então, de a área passar a ser gerida por empresas terceirizadas, como pretende o governador Rodrigo Rollemberg (PSB), Diaulas não se opõe. Pelo contrário. Cita o caso do aeroporto de Brasília, leiloado em 2012, como um exemplo de mau serviço que virou referência a partir do momento em que saiu das mãos do Estado.

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O Metrópoles selecionou algumas das principais histórias da carreira do ainda procurador Diaulas da Costa Ribeiro.

Primeiro grande caso: “Alfredo não é Alfredo”
Antes mesmo de virar promotor de Justiça, Diaulas teve que lidar com o  assassinato do sócio e então procurador de Justiça, Osmar Rodrigues de Carvalho. Na época, mesmo sendo procurador, ele atuava como advogado de família, o que era permitido pela legislação. Ao assumir um caso de separação de uma mulher com um empresário, Osmar descobriu que o homem, chamado Alfredo Ribeiro, havia assumido o nome do irmão com paralisia cerebral. Seu nome verdadeiro era Sebastião Ribeiro e, na sua ficha, estavam crimes como assalto a banco e uma condenação de 42 anos.

Dessa forma, o homem, que assumiu a identidade em conluio com o famoso delegado Sérgio Paranhos Fleury ao se passar por informante da ditadura, matou o procurador para preservar sua mentira e sua fortuna. Só que o destino acabou levando Diaulas à promotoria e, em um sorteio, o caso caiu nas suas mãos. A investigação foi feita em parceria com delegados de polícia, e ele teve escolta o tempo todo.

A linha de investigação surgiu a partir de um livro que Osmar lia um dia antes de ser morto, em 25 de novembro de 1988. “O Osmar estava lendo um livro e, na página que eu puxei o marcador, tinha um bilhetinho, uma tira de papel com a letra dele escrito assim: ‘Alfredo não é Alfredo, é o irmão’”, contou o promotor. A partir dessa linha, a investigação buscou desvendar quem era de fato o empresário.

Após uma ida ao cartório, onde ele foi registrado, em São Paulo, descobriram o segredo que tirou a vida de Osmar. Na volta, com auxílio de um delegado da Polícia Federal, chamaram Alfredo para comparecer à sede da PF.

“Helvécio (delegado) chamou o Alfredo para ir à PF. Chegando lá, o Alfredo dizia: ‘Porra, vocês não têm o que fazer não? Eu tenho mais o que fazer, todo dia tenho que ir na merda da PF’. O Helvécio, tolerante, dizia: ‘Não, só vim fazer a última oitiva’. Na hora que ele deu a identidade com o nome Alfredo, Helvécio colocou a algema no cara. E ele: – ‘O que é isso?’, ao que Helvécio respondeu: ‘Uso de documento falso. Caiu a casa, senhor Alfredo, ou melhor, Sebastião!”. O caso terminou em 1994, quando então Diaulas seguiu para a Europa, onde fez seu doutorado.

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Interdição provisória dos médicos
A chamada interdição cautelar do exercício profissional de médico garante que, caso um profissional esteja utilizando a medicina para prejudicar a população — ou na iminência de fazê-lo —, tenha a sua licença cassada. E esse procedimento foi regularizado a partir dos processos decorrentes das tragédias que o ex-médico Marcelo Carón, que matou ao menos cinco mulheres em procedimentos estéticos e mutilou outras 29, cometeu em Goiás e Distrito Federal.

Diaulas não gosta de citar o nome do médico, apesar de reconhecer a importância do caso para o desenvolvimento da medicina. “Não faço a minha história em cima de nome de criminosos”, justifica.

Mas o fato é que, após Carón ser submetido a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em Goiás por mutilações cirúrgicas, ele decidiu realizar procedimentos médico-estéticos em Brasília. Duas mulheres morreram em suas mãos e, após a tentativa de Diaulas conseguir que o Conselho Federal de Medicina (CFM) interditasse temporariamente a licença do médico, o grupo não aceitou. A solução foi abrir processos contra os dois: o médico e o CFM, sendo que do último eram cobrados R$ 2 milhões.

Após o caso avançar algumas etapas, o conselho ofereceu um acordo, e o MP extinguiu o processo. A partir de então, a interdição tornou-se uma prática regulamentada. Hoje, é recorrente e eficiente para evitar a perda de vidas.

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O acidente aéreo da Gol
Lidar com a morte, sobretudo de familiares, não é uma tarefa simples. Quando, no fim de 2006, um avião da Gol que seguia de Manaus para Brasília caiu deixando um saldo de 154 mortos — um dos piores da história — tratar o assunto de forma fria e racional não foi a solução que o MP tomou. Diaulas se colocou à frente do caso que, depois da identificação das vítimas seguiu uma série de processos pouco convencionais.

O avião que fazia o trajeto tinha cerca de 4 mil quilos de bagagens, dos quais foi resgatado apenas 1,6 mil quilo. A tarefa de descontaminar, lavar e reenviar os bens aos familiares contou com uma empresa trazida pela seguradora da Inglaterra. O primeiro problema foi: como deixar os técnicos trabalharem em solo brasileiro?

Para lidar com a burocracia, Diaulas deu uma autorização própria, dizendo que em casos de emergências, a lei não se aplicava. O Ministério do Trabalho, que foi informado, não contestou. Os estrangeiros, especializados nesse tipo de tarefa, trouxeram máquinas de lavar e secar do exterior, para que não prejudicassem em nada as roupas encontradas. Uma vez feito o processo, os itens foram catalogados e os familiares puderam vê-los e selecionar aqueles que lhes pertencia. A empresa se encarregou de enviar aos familiares.

Aqueles que não foram reconhecidos, entre os quais peças de lingerie vindas dos Estados Unidos, foram colocados em um galpão e os familiares foram convidados para vê-los pessoalmente. “Alguns cheiravam desesperadamente e abraçavam as roupas em busca de uma última lembrança”, conta Diaulas.

Na saída, ficava uma caixa para doação das roupas. Aquelas últimas que sobraram, sobretudo as lingeries novas, foram encaminhadas a casas de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. “Doamos para elas terem a sensação da beleza de vestir uma lingerie depois de tamanha violência que sofreram.”

As máquinas foram doadas para casas de caridade. Sobraram ainda reminiscências dos corpos encontrados no local. Diaulas decidiu cremar e juntou as cinzas deixando à disposição dos familiares. Quando completou um ano do processo, as famílias foram convidadas — e tiveram as passagens pagas — para virem ao Jardim Botânico de Brasília, onde foram plantados 154 ipês, cada um representando uma das vítimas. Eles foram convidados a despejar as cinzas nas árvores e, às 17h, hora exata do acidente, um helicóptero despejou pétalas de rosas para os familiares. “Essa foi a história de beleza, humanidade e sensibilidade mais importante que eu já vi na minha vida”, afirmou.

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