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Para pagar salários, GDF propõe o fim de 7 fundos de desenvolvimento

Pelo projeto, que tramita na CLDF, Executivo quer transferir recursos para conta única e usar a verba em pagamentos de pessoal e empresas

atualizado

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Felipe Menezes/Metrópoles
Palácio do Buriti
1 de 1 Palácio do Buriti - Foto: Felipe Menezes/Metrópoles

A peregrinação do Governo do Distrito Federal em busca de recursos chegou a um novo nível. O Executivo pretende extinguir nada menos do que sete fundos de desenvolvimento de setores específicos para usar seus recursos no pagamento de salários de servidores, empresas e até dívidas. O GDF ainda não revelou quanto espera ter disponível para custeio com essa medida, mas já enfrenta forte resistência à proposta na Câmara Legislativa, onde ela está pronta para votação em Plenário.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 95/2016, de autoria do Executivo, propõe o fim de boa parte das reservas financeiras criadas para permitir mais investimentos em determinadas áreas. De acordo com o texto, sete dos chamados fundos de desenvolvimento do DF, que não são movimentados há mais de dois anos, seriam extintos. São eles, os de Educação, de Trânsito, de  Apoio Permanente da Alfabetização e Educação Básica para Jovens e Adultos, de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento da Atividade Tributária, de Recursos Humanos, de Promoção do Esporte, Educação Física e Lazer, além do Fundo Habitacional do DF.

Segundo o projeto, as reservas que não forem extintas seriam desidratadas. Isso porque o PLC autoriza o GDF a usar o superávit (sobra) dos fundos remanescentes e de empresas públicas, como a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), transferindo os recursos para a Fonte 100. Por essa rubrica são pagos os salários da maior parte das categorias funcionais brasilienses. Só estão fora da Fonte 100 os servidores da educação, saúde e segurança, cujas remunerações são bancadas pelo Fundo Constitucional do DF, repassado pela União.

De acordo com o PLC 95/2016, ao fim de cada exercício financeiro, o que for registrado como superávit, tanto pelas empresas quanto pelos fundos, será destinado à conta única (Fonte 100) em um prazo de 30 dias. Estariam excluídos apenas o Instituto de Previdência do DF (Iprev) – que já vem sendo usado pelo Executivo – e aqueles com destinação direta da União.

Iprev secou
Ao tentar transferir verba de investimentos para o custeio do Estado, o GDF busca uma nova fonte de recursos para suas operações financeiras. Isso porque, entre 2015 e 2016, o Executivo local usou nada menos do que R$ 1,9 bilhão do superávit do Iprev para pagar salários dos servidores públicos. Além de não ter feito até hoje a tão prometida recomposição do montante direcionado à folha de pessoal, o GDF não poderá mais recorrer ao dinheiro da Previdência dos servidores.

Em novembro de 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou contrário à medida. Segundo estudo do órgão, realizado com apoio do Tribunal de Contas do DF, a transferência não poderia ter sido feita, sob risco de comprometer as finanças futuras dos servidores. O TCU argumenta ainda que a operação se baseou em um cálculo de superávit superestimado pelo governo.

Para completar, a proposta de reforma da Previdência em análise no Congresso Nacional também veta a prática em todas as unidades da Federação. Se aprovado, um dos itens no texto proíbe “a utilização de recursos dos regimes de Previdência (dos servidores da União, dos estados, do DF e dos municípios) para a realização de despesas distintas do pagamento dos benefícios de aposentadoria ou pensão por morte”. Assim, com o PLC 95/2016, o governo local tenta se antecipar, encontrando nova forma de custear despesas, folha de pagamento e dívida com fornecedores.

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Falência
O projeto do GDF tramita na Câmara Legislativa desde o ano passado e já passou por todas as comissões. Ele chegou a ser colocado em discussão em plenário, na sessão da última quarta-feira (10/5). Porém, sem acordo para a votação, entrou novamente em debate pelo Colégio de Líderes nesta segunda (15): os dirigentes dos blocos partidários representados na CLDF decidem quando a proposta poderá ser apreciada (ainda não há data) e se haverá comissão geral ou audiência pública antes da decisão do plenário.

A falta de consenso se deve ao fato de que tanto deputados governistas quanto da oposição criticaram duramente a proposta. Durante as apreciações nas comissões, apenas o Fundo de Habitação foi retirado do PLC original, por meio de uma emenda supressiva do deputado distrital Julio Cesar (PRB).

“Fui contra porque o governo certamente vai sobre o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), que talvez seja a única fonte institucional de fomento ao setor. Além disso, o governo aparentemente retarda a execução para ter mais saldo positivo para usar. E, por fim, porque o governo usou o dinheiro, mas as garantias e os compromissos assumidos pelo GDF não foram cumpridos”, justificou o governista Cláudio Abrantes (Rede). Representantes da cultura chegaram a protestar, na tarde desta segunda (15) na CLDF, contra o uso do superávit do FAC pelo governo.

Para a ex-presidente da CLDF, Celina Leão (PPS), a proposta pode deixar empresas públicas à beira da falência. “O que o governo quer é pegar recursos que deveriam ser investidos nas próprias empresas e dar fluxo de caixa para pagar contas. Não é porque uma empresa tem superávit que ela está bem. É necessário que seja feito reinvestimento para que ela possa se manter”, explicou a distrital. “No caso dos fundos, o governo estará deixando de aplicar algumas políticas sociais ou, no caso dos que continuarem a existir, deixando de executar para ter o superávit e gastá-lo em outras coisas”, ponderou.

Irregularidade
Celina Leão reiterou que o GDF já vem usando recursos de fundos e superávit de empresas, antes mesmo do PLC ser aprovado. “O governo tem pego esses recursos e usado de forma irregular, retirando dinheiro dessas áreas e depois repondo com verba do Fundo Constitucional. Agora, para legalizar um ato ilícito, ele quer aprovar essa lei de um dia para o outro”, acusou a parlamentar.

Segundo ela, servidores terceirizados estão sem salários por conta da não reposição de recursos retirados anteriormente de empresas públicas. A denúncia teria sido comprovada pelas informações do Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo). A deputada propôs realização de audiência pública para debater a questão com servidores e empresas, que serão mais afetados.

“Se de uma hora para outra se extinguem os fundos, a pergunta que nós, meros mortais, fazemos é se eles tinham ou não finalidade. Será que era necessário criá-los ou faltaram projetos? Essas áreas estavam sendo bem administradas ou foi incompetência de quem não sabia usá-las?”, provocou o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli. “A extinção de fundos serve para o governo colocar tudo em um balaio só e depois usar da forma que quiser, sem as amarras que um fundo impõe”, considerou.

Fundos Inativos
Segundo a Assessoria de Comunicação do GDF, as reservas a serem extintas com a aprovação do PLC 95/2016 já haviam sido desativadas ou estavam em desuso. Um dos exemplos seria o Fundo de Educação de Jovens e Adultos, que hoje dispõe de apenas R$ 5,6 mil em conta e, de acordo com a nota do GDF, perdeu a funcionalidade com a criação de outros mecanismos.

Hoje, segundo a nota da assessoria, a verba retida não pode ser usada em custeio, apenas em investimento. Desta forma, o governo aposta na aprovação do PLC para conseguir realocar os recursos para outras áreas legalmente.

Os recursos estão ociosos porque o governo não quer usar. Áreas como a cultura e a educação sempre são as mais atingidas e parecem não ter importância para os governantes. Os membros da cultura protestam, porque sempre é uma área visada. Para os governantes, é melhor deixar o povo idiota, pois educação e cultura fazem as pessoas criticarem. É uma visão historicamente colonial.

Roberto Piscitelli, economista e professor da UnB

O líder do governo na Câmara Legislativa, Rodrigo Delmasso (Podemos), explicou que os demais fundos que apresentarem superávit, mesmo após a aprovação do PLC, continuarão administrados por seus órgãos e conselhos. O distrital confirmou que os recursos devem ir, prioritariamente, para o pagamento de pessoal, de despesas e de fornecedores, mas também não soube dizer o impacto financeiro da medida nas contas do GDF.

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