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Pais fazem vaquinha para juntar R$ 200 mil e bancar cirurgia de Bia

Paratleta da vela, a menina de 10 anos tem de passar por procedimento urgente para evitar que lesões na coluna se tornem irreversíveis

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
beatriz mendes vela iatismo lago paranoá
1 de 1 beatriz mendes vela iatismo lago paranoá - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Nos braços da mãe, a estudante Beatriz Mendes, 10 anos, chega ao local que a alçou ao prêmio de paratleta mais popular do Distrito Federal em 2016, o Cota Mil Iate Clube, no Setor de Clubes Sul. Rodeada por barcos à vela, ela fixa o olhar no cais e pensa nas aulas de iatismo em vela adaptada. O esporte têm ocupado cada vez menos espaço na agenda da menina, o que a deixa entristecida.

Bia, como gosta de ser chamada, sofre de desvios na coluna e constantes dores nos joelhos. À medida que o problema se agrava, por causa do crescimento da garota, a afasta das atividades físicas.

Os sintomas tendem a se perpetuar caso ela não passe por cirurgia – a primeira de sua vida –, pré-agendada para o dia 5 de dezembro. O procedimento é considerado caro: a família da menina orçou as despesas totais em R$ 200 mil, incluindo a operação, insumos, aluguel de apartamento e fisioterapia. Por isso, os pais dela, o bancário Flávio Portela e a jornalista Sâmia Mendes, lançaram na internet uma campanha de financiamento coletivo para arrecadar a quantia.

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As dores sempre fizeram parte da rotina de Beatriz. Entretanto, até janeiro deste ano, surgiam apenas após longas caminhadas. Em abril, os sintomas se tornaram diários e sinalizaram a urgência da intervenção cirúrgica. “À noite, deito na cama e meu pai passa pomada e coloca compressa nos meus joelhos, para eu conseguir dormir bem”, conta a menina, que se locomove por cadeira de rodas quando tem de percorrer grandes distâncias.

A mãe explica que a única filha não tem força nas panturrilhas. Por isso, para se locomover, a garota sustenta o peso do corpo nas coxas, o que pressiona os joelhos. E mais: para não ficar curvada para frente, força a coluna para trás, o que acentua os desvios. “Pela manhã, Beatriz anda com as pernas mais esticadas. Mas, ao fim do dia, ela caminha mais agachada, por causa do cansaço”, descreve Sâmia.

Duas vezes por semana, ela pratica natação. O esporte é uma obrigação, porque fortalece as articulações e a musculatura da menina.

Cirurgia
O Metrópoles teve acesso aos relatórios ortopédicos de análise de marcha de Beatriz. Um deles, elaborado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde ela será operada. O outro, assinado pelo médico cirurgião Roberto Garcia Gonçalves, que recomendou a osteotomia como procedimento.

Segundo os documentos, a garota apresenta alteração do padrão, relacionada, principalmente, à fraqueza muscular, hiperlordose da coluna lombar, deformidade dos pés e variação rotacional dos joelhos.

As cirurgias, nas duas pernas, estão previstas para durar de seis a oito horas e têm o objetivo de alinhar a tíbia e o fêmur e alongar a musculatura da panturrilha para, assim, acabar com as dores. Logo após, a menina deverá usar órteses – aparelhos externos – para ajudar na flexão dos joelhos e dos tornozelos. Ainda no período pós-operatório, terá o auxílio de muletas, que aumentarão a estabilidade e reduzirão o estresse nas articulações.

Beatriz deixará o hospital quatro dias após a operação, quando iniciará a fisioterapia. Não poderá tocar os pés no chão por três meses – durante 30 dias, ficará em um apartamento alugado na capital paulista, antes de ter condições de regressar para Brasília.

Custos
A reportagem também obteve a estimativa de custos hospitalares referentes ao procedimento. A operação inclui duas diárias em apartamento e duas em leitos de UTI, materiais e medicamentos para o processo cirúrgico, anestesia e monitoramento. O orçamento abarca também insumos, como quatro placas de titânio e 18 parafusos. Tudo isso estimado em R$ 127 mil.

A despesa pode aumentar, em caso de permanência acima de seis horas no centro cirúrgico – R$ 768,62 a cada meia hora a mais –, e necessidade de hemoterapia, equipamento de vídeo e exames de imagem e laboratoriais. Além disso, os gastos com honorários da equipe médica, que inclui cirurgião, auxiliares, instrumentadora, anestesista e retornos por até 60 dias, estão orçados em R$ 40 mil.

Completam as despesas estimadas a compra de medicamentos, o aluguel de flat próximo ao hospital por um mês e as sessões de fisioterapia, além do percentual pago à plataforma de vaquinha (cerca de 7%), calculado sobre o montante arrecadado.

Drama
Beatriz nasceu prematuramente, aos seis meses, por causa de complicações na saúde da mãe. Sâmia sofreu pré-eclâmpsia, transtorno de gravidez caracterizado comumente pelo aumento da pressão arterial, inchaço de mãos e rosto e liberação de proteínas na urina.

A recém-nascida, por sua vez, contraiu infecção generalizada, que ocasionou um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e lesão medular. As intercorrências acarretaram em contusões nas vértebras T1 e T3, causaram desvios na coluna e paralisaram grupos musculares do quadril aos pés da garota.

A condição jamais a havia impedido de praticar esportes. Inclusive, atividades de impacto, como capoeira, judô, balé e dança. Neste ano, entretanto, as dores começaram a atormentá-la diariamente. O prédio onde vive, em Águas Claras, inaugurou aula de capoeira. Na estreia, Beatriz até tentou jogar, mas não aguentou. O curso de iatismo também passou a gerar dores e foi interrompido até a recuperação total da cirurgia.

A Bia não tem costume de chorar, aguenta bastante a dor. Mas, neste ano, chegou ao ponto de ela não conseguir dormir e ter de tomar medicação e usar compressa para descansar

Flávio Portela, pai da Bia

Vela
“Ela gosta da adrenalina”, conta a mãe. Há três anos, Beatriz encontrou sua principal fonte de fortes emoções no projeto gratuito Vela para Todos, da Federação Brasiliense de Vela Adaptada (FBVA). A iniciativa, inaugurada em 2009, hoje atende 60 atletas com diversas deficiências, como paralisia e Síndrome de Down.

Nas aulas iniciais, o destemor natural da menina dava lugar ao frio na barriga. “Eu sentia um pouco de medo porque parecia que a vela ia virar. Mas naquelas horas eu cantava para me acalmar”, relembra Beatriz, que se agarrava aos temas de filmes infantis para criar coragem de encarar as águas do Lago Paranoá. Ela utiliza um barco com leme mais sensível que o comum e adaptado ao comprimento dos braços.

Enquanto os alunos velejam, aves sobrevoam o lago e se aproximam das velas. Os animais logo despertam a atenção de Beatriz. Isso porque a menina sonha em se tornar bióloga, especialista em répteis. “Gosto de cobras, jabutis, lagartos. Até queria ter uma cobra, mas minha mãe não deixa”, queixa-se.

O diretor técnico do Vela para Todos, Bruno Pohl, percorre as lembranças desde quando a “queridinha” do clube chegou ao cais e enaltece a evolução de Beatriz. Em 2017, ela participou, pela primeira vez, de duas simulações de regatas – de cerca 1,7km cada uma – em meio a adultos. No fim do ano passado, venceu eleição, por votos em redes sociais, e foi escolhida a paratleta mais popular do DF. O prêmio foi concedido pela Secretaria de Esportes.

Os interessados em praticar iatismo em vela adaptada podem comparecer ao Cota Mil, no Trecho 2 do Setor de Clubes Sul, para fazer inscrição no projeto. As aulas, gratuitas, ocorrem de terça a quinta-feira, das 9h ao meio-dia, e aos sábados (das 14h às 16h30).

Doação
Quem quiser ajudar a bancar a cirurgia de Beatriz pode contribuir pelo Vakinha On-line.

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