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Mesmo amparadas por laudos, pessoas com deficiências não são reconhecidas pelo GDF

Embora tenham diagnósticos, funcionários não são reconhecidos e ficam sem acesso a adaptações no trabalho garantidas por lei

atualizado

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Vinícius Schmidt/Metrópoles
Servidor PcD - Metrópoles
1 de 1 Servidor PcD - Metrópoles - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

Mesmo com laudos em mãos, servidores públicos com diagnósticos tardios de pessoas com deficiência (PcDs) não são reconhecidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF). Sem o reconhecimento assegurado pelas legislações nacional e local, são forçados a trabalhar sem as adaptações necessárias.

Com o diagnóstico tardio de transtorno do espectro autista (TEA) e outras condições, o professor Kauan Gomes Mansur, de 48 anos, luta pelo reconhecimento desde 2021. “Ele é necessário para tudo se adequar às nossas necessidades. A Constituição Federal diz que é preciso tratar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes”, afirmou.

Veja o depoimento de Kauan:

Os autistas convivem com um transtorno sensorial e possuem um funcionamento cerebral distinto. Esta condição leva ao esgotamento mais rapidamente. Ao chegar em casa do trabalho, Kauan costuma “desmaiar” de cansaço.

Essas situações podem ser evitadas ou minimizadas com adequações na rotina de trabalho. Ironicamente, de acordo com o educador, a Secretaria de Pessoa com Deficiência e outros órgãos o reconhecem como PcD. Por isso, segundo Kauan, as negativas do GDF são arbitrárias e ilegais. O docente entrou na Justiça e conquistou uma sentença favorável determinando o reconhecimento.

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A médica Ana Carolina Borges Bueno tem diagnóstico tardio de TEA, miastenia grave, síndrome de Ehlers-Danlos, entre outras condições. O quadro é delicado e atualmente ela se locomove com uma bengala. Apesar destas condições, a profissional de saúde quer continuar a trabalhar.

Mesmo com laudos e a carteira da Secretaria da Pessoa com Deficiência, além de ter os pedidos negados, a médica revelou que, durante uma das perícias do governo, teria sido alvo de discriminação. Enquanto batalha pelo reconhecimento, ao longo de 2 anos e meio, a médica está afastada do trabalho.

“Para mim, o enquadramento de PcD é essencial. Sem ele, pode ser que eu seja aposentada precocemente contra a minha vontade. A minha condição de saúde não me permite trabalhar 40 horas e nem ter contato com doenças infectocontagiosas”, desabafou. A médica entrou na Justiça para conseguir o reconhecimento.

“A medicina é a minha realização de vida. depois desse processo e tive dificuldades de diagnóstico, vejo o quanto é essencial esse olhar para o paciente como pessoa na sua complexidade e integralidade”, comentou.

Piora

Há três anos, a enfermeira da estratégia saúde da família Rosemeire Vidal da Silva batalha pelo reconhecimento, seguido pelas devidas adequações para poder trabalhar. Tendo diagnóstico de TEA, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e câncer, a profissional avalia a postura do GDF como desrespeitosa.

“Essa demora em me reconhecer como PcD tem levado a piora das doenças concomitantes com o autismo que pioram muito com o ambiente de trabalho inadequado e com a falta de tratamento adequado”, disse.

A secretária escolar da rede pública Meire Gomes Martins Alves tem o diagnostico tardio de TEA e também não é reconhecida pelo GDF. “Além de não ter sido reconhecida, passei por um constrangimento terrível. Porque eles perguntam coisas constrangedoras, como sexo e questões de família. Foram tendenciosos. Eu senti um certo preconceito. Parece que a gente é um ET. Foi muito desrespeitoso “, contou.

Leis

Segundo a advogada especializada em direitos de PcDs Adriana Monteiro da Silva, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Inclusive, inseriu o regramento na Constituição Federação pela Emenda Constitucional 45. O país também conta com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) de 2015. No patamar local, o Estatuto dos Servidores do DF também protege, acolhe e concede o direito de adaptações no ambiente de trabalho às pessoas com deficiência.

De acordo com Monteiro, o DF, outras instâncias e estados, usam o instrumento da avaliação biopsicossocial da LBI, criada inicialmente para conceder as adaptações para os PcDs, para negar o reconhecimento. “Até hoje ele não foi regulamentado. Então inventaram critérios para avaliar as pessoas com deficiência. Estão usando isso para negar direitos. Para que as pessoas não tenham acesso às poucas conquistas dos PcDs nos últimos anos”, destacou. Além disso, a advogada ressaltou que o processo de perícia atual é uma inquirição e revitimiza os servidores. Os processos judiciais são demorados e desgastam a saúde dos trabalhadores.

“O governo federal publicou um decreto para criar um grupo de trabalho para se retomar a regulamentação da avaliação da pessoa com deficiência. Então é muito importante pressionar para que essa regulamentação saia e seja justa. Esse estudo começou na UnB, em 2006. Hoje ela está sendo utilizada da forma mais equivocada possível. E que o GDF mude a sua postura. Parece que parou no tempo. Não se capacitou. Não está disposto a ver que até o conceito de deficiência mudou”, concluiu.

Outro lado

O Metrópoles entrou em contato com a Subsecretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (SubSaúde), vinculada à Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, responsável pelas perícias. O órgão não informou quantos pedidos de reconhecimento de PcD com diagnóstico tardio estão em aberto atualmente.

A Gerência de Promoção à Saúde do Servidor afirmou que avaliou cerca de 1.178 servidores, desde 2018. Destes, foram enquadrados como PcD aproximadamente 988 servidores. Segundo o órgão, após a avaliação em junta médica e procedimentos técnicos, foi indeferido o pleito de enquadramento para 190 servidores.

“A maioria absoluta dos servidores que requer o reconhecimento como PcD é devidamente enquadrado nessa condição. Há o rigoroso cumprimento dos ritos legais, que incluem instâncias administrativas recursais, e também critérios técnicos para a emissão dos laudos às pessoas com deficiência”, argumentou o GDF.

A pasta não comentou os casos de servidores citados, mas afirmou que respeita e cumpre decisões judiciais. O governo ressaltou que busca modernizar o modelo de trabalho para as pessoas com deficiência. E afirmou que avalia ações para o aperfeiçoamento dos procedimentos para enquadramento como PcD.

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