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Pesquisadores da UnB traduzem poesias famosas para o braile

O trabalho do grupo não é de apenas transcrever os textos para a linguagem utilizada por deficientes visuais, mas garantir que as poesias sejam passadas com todas as características intactas

atualizado

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Pedro Alves/Metrópoles
poesia sensorial
1 de 1 poesia sensorial - Foto: Pedro Alves/Metrópoles

O mundo da poesia é cheio de possibilidades. Um espaço em branco pode significar silêncio ou vazio. Uma mudança no tamanho da fonte pode significar maior ou menor intensidade de emoção, enquanto a posição das palavras pode acrescentar ainda mais sentido ao que diz o eu lírico. Quem tem deficiência visual, no entanto, dificilmente consegue acesso a todas as facetas de um poema.

Essas pessoas geralmente dependem de uma leitura em voz alta ou de transcrições em braile que geralmente não têm capacidade de tratar, por exemplo, com o significado dos espaços no texto, devido a limitações técnicas. Assim, aos poucos, a emoção do texto vai se perdendo entre uma linguagem e outra. Foi com o objetivo de resolver esse problema que pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) decidiram criar o projeto Poesia Sensorial.

A ideia do grupo, formado pelos professores de literatura Eclair Almeida Filho e Augusto Rodrigues, e pela mestranda Carolina Pinheiro, é não apenas transcrever as poesias para o braile e sim traduzir todos os aspectos do texto para os deficientes visuais. Assim, tentam garantir que eles possam ter a mesma experiência com a poesia que uma pessoa que enxerga.

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Professor Augusto Rodrigues (à esquerda), Carolina Pinheiro (ao fundo) e professor Eclair Almeida (à direita), os responsáveis pelo Poesia Sensorial

“É uma questão de oferecer independência e permitir que eles tenham uma apreciação pessoal de todas as potencialidades da poesia”, afirma Carolina. O primeiro trabalho do grupo é traduzir o poema “Un coup de dés jamais n’abolira le hasard” do poeta francês Stéphane Mallarmé, que na tradução dos professores ganhou o nome de “Hum Lanço de Dádos”. O texto é famoso porque o autor brinca com espaços e tamanhos de fontes e é, portanto, um exemplar perfeito para a tradução em braile.

Técnica
Para alcançar o objetivo, os estudiosos criaram uma técnica diferente: eles usam as variações da dinâmica musical, que regulam a altura e a intensidade do som, para indicar uma mudança no tamanho das fontes do texto. Por exemplo, o pianississimo, que é o som mais baixo, se torna a fonte tamanho 11. Já o fortissisimo, que é o som mais alto, corresponde ao tamanho de fonte 34. As partes em branco são substituídas por pontos que significam silêncio e as palavras são posicionadas na folha exatamente como no texto original.

O sistema pode parecer um pouco complexo, mas todas as explicações ficam disponíveis antes do início da poesia em si. E durante um teste já feito, os pesquisadores tiveram a prova de que o esquema funciona: “uma deficiente visual leu o texto e ficou maravilhada. A cada folha que entregávamos, ela pedia mais. A garota até percebeu coisas sobre a poesia que a gente ainda não tinha percebido. Deu para compreender que o braile parece a forma de leitura ideal para o poema, porque envolve o tato e movimento”, afirma o professor Eclair.

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Carolina é quem digita as poesias traduzidas para braile utilizando a máquina que aparece na foto

Além da tradução dessas poesias específicas, o grupo pretende fomentar uma discussão sobre a forma como transcrições para o braile são feitas. “Às vezes os alunos têm dificuldades em entender textos ou elementos diferentes como tabelas ou gravuras, porque as transcrições são muito limitadas. Isso precisa ser repensado”, afirma Carolina.

A tradução do texto de Mallarmé, que teve início há dois meses, está em fase final e deve ser finalizada em breve. Depois, a poesia será testada com alunos do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), na quadra 612 Sul.

O próximo autor a ser traduzido também já foi selecionado: o poeta norte-americano E. E. Cummings, conhecido por brincar com a espacialidade em seus textos. O objetivo é entregar o material em instituições para deficientes visuais, espaços artísticos e locais públicos.

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