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Depressão e tentativas de suicídio fazem ESCS suavizar avaliações

Antes, método adotado não tolerava nenhum tipo de erro nas provas aplicadas aos aspirantes a médicos e enfermeiros da instituição

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
ESCS FEPECS
1 de 1 ESCS FEPECS - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) reuniu alunos, professores e dirigentes vinculados à Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) para debater a situação da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS). A audiência pública dessa quinta-feira (03/10/2019) abordou vários temas, entre eles, a saúde mental dos estudantes da instituição, que, recentemente, denunciaram os recorrentes casos de depressão e ansiedade.

Um dos motivos que estaria levando ao adoecimento dos discentes seria o sistema de avaliação da entidade, que não permite erros. Diante das pressões, a ESCS tem adotado métodos menos rígidos, baseados no sistema de notas. O representante da instituição presente no parlamento local, no entanto, não detalhou qual seria o resultado mínimo satisfatório para que aspirantes a médicos e enfermeiros não sejam reprovados.

Em sessão convocada pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede), o diretor da ESCS, Ubirajara Picanço, aproveitou a oportunidade para defender as ações da instituição quanto às acusações de displicência com os alunos deprimidos. Picanço reforçou que a ESCS “não tem medido esforços para garantir o pleno atendimento a esses estudantes”. Está à disposição, segundo ele, o Serviço de Apoio ao Discente (SAD), com corpo profissional formado por professores e egressos da escola superior. “O atendimento é sigiloso, em respeito à relação profissional/paciente e, nos casos de diagnóstico, esse aluno é encaminhado para tratamento”, sustentou.

Durante sua apresentação, Picanço mencionou as singularidades da ESCS, como o sistema de avaliação e metodologia. “Nós somos a única escola de saúde do país vinculada a uma Secretaria de Saúde. Atualmente, contamos com 523 estudantes de medicina e 239 de enfermagem. Nos 18 anos da instituição, formamos 1.102 médicos e 373 enfermeiros, reconhecidos pela excelência, com o perfil desejado no SUS e no mercado. Usamos o método Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), que está no plano pedagógico da escola e vem sendo reproduzido por outros cursos de medicina.”

“Notas perfeitas”

Os critérios de avaliação, objeto de crítica de muitos estudantes, teve mudança para os ingressos nos cursos de medicina e enfermagem em 2019. Via de regra, os discentes são avaliados com conceitos “satisfatório e insatisfatório”. Conforme relatos, nesses moldes, a aprovação ocorre apenas no caso de notas perfeitas. Um aluno chegou a confidenciar ao Metrópoles que corria risco de reprovação por errar duas questões numa prova com 12 perguntas. Por sentir-se desesperado, chegou a escrever uma carta de despedida, em 17 de setembro. Nela, dizia ter entrado em estado depressivo por não saber lidar com uma carga de cobrança tão alta.

A tentativa de suicídio levou parte da comunidade acadêmica a apontar um eventual descaso com as doenças psiquiátricas que acometem os alunos. O episódio provocou comoção entre colegas do jovem, de professores e até mesmo de universitários de enfermagem – outro curso ofertado pelo estabelecimento educacional mantido pela Fepecs.

No texto, o estudante queixava-se de não ter valido o esforço de 15 horas de estudos diários, durante três semanas consecutivas, para fazer apenas uma avaliação do curso. A trajetória até chegar à medicina, segundo seu relato escrito, durou anos: chegou a ser aprovado na Universidade de Brasília (UnB), mas decidiu prosseguir nos estudos até ser aprovado na ESCS.

“Não consigo ver um mau aluno em mim, sabe? Sinto que sou esforçado, que amo meu curso, mas acho que realmente devo ser burro. Cansei, sabe? Cansei de me estressar com essas situações que só me põem para baixo. Cansei da ESCS. Cansei de mim mesmo. Cansei da rejeição. Cansei. Eu não tenho mais forças para continuar sozinho, não tenho mais gana para vencer. Meu aniversário estaria chegando, mas hoje eu não tenho a mínima vontade de viver”, escreveu o rapaz.

A reportagem ouviu alunos e professores sobre a saúde mental dos aprendizes de médicos e enfermeiros. Os relatos se assemelham em vários pontos e, segundo eles, houve outros casos de tentativas de suicídio, além de ataques de síndrome do pânico e automutilação.

Saúde mental do médico

O presidente do Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF), Farid Buitrago Sánchez, também compôs a mesa durante a audiência pública. Ele criticou as intervenções de órgãos fiscalizatórios que tentam fazer com que os professores da ESCS cumpram as 40 horas semanais em unidades de saúde. Vinculados à SES-DF, os docentes da instituição dividem a carga horária entre a escola superior e a unidade onde estão lotados. “Dizem que a ESCS tira o médico, o enfermeiro, dos hospitais e acham que isso é um problema. Pelo contrário, a ESCS é parte da solução, porque entrega ao SUS médicos e enfermeiros altamente qualificados”, opina.

Sánchez também comentou sobre a saúde mental de médicos e alunos de medicina. “O curso e a carreira de médico são muito difíceis e tudo isso repercute na saúde mental. O problema é que ainda não sabemos identificar aquele aluno com ideação suicida. O suicídio não é consequência do método, é multifatorial, e precisamos identificar aquele aluno que está sofrendo e tratá-lo”, disse.

O diretor da Fepecs, Marcos de Sousa Ferreira, não compareceu. Ele enviou a diretora da Escola de Aperfeiçoamento do SUS, Adriana Pederneiras, como representante. Ela reproduziu uma apresentação elaborada por Ferreira, na qual defende a formação de quadro próprio, a inclusão da ESCS na Rede Nacional de Ensino e Pesquisa e aquisição de um laboratório de simulação realística.

Aluna de enfermagem, Lígia Maria pediu o uso da palavra durante a audiência. Ela sugeriu a criação de uma força-tarefa, com apoio legislativo, para tratar de questões que, segundo a universitária, trazem instabilidade jurídica à escola, como a ausência de regulação da função de docente na Secretaria de Saúde. Pendente de normatização desde a criação da Escs, em 2001, a comunidade acadêmica quer solução definitiva para o impasse.

 

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