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Dopagem, tortura e humilhação: os crimes dentro da clínica do “terror”

O Metrópoles levantou detalhes das práticas dentro da clínica de reabilitação suspeita de maus-tratos: “Levei meu irmão vivo e recebi morto”

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Mãos de homem sobre calça jeans azul
1 de 1 Mãos de homem sobre calça jeans azul - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

A clínica de reabilitação Comunidade Terapêutica Restauração, gerida pelo casal Wendel Ferreira dos Santos, 41 anos, e Adriana Maria Ribeiro, 39, — presos pela 18ª Delegacia de Polícia (Brazlândia) na segunda-feira (6/2) sob suspeita de maus-tratos contra pacientes — é cercada de irregularidades.

Ao longo da última semana, o Metrópoles levantou os bastidores da clínica. Alvo de operação da Polícia Civil do DF (PCDF), o estabelecimento utilizava medicamentos sem autorização para dopar os pacientes que recusavam o tratamento. Além disso, não possui licença da Anvisa nem a autorização do Corpo de Bombeiros do DF (CBMDF) para funcionar.

O espaço, alugado pelo casal, fica em um rancho para eventos no Incra 6, em Brazlândia. A atividade, chefiada por Wendel e Adriana, levantou suspeita dos investigadores em julho do ano passado, quando, à época, com apenas seis dias de internação, o paciente João Bosco Pinto Correia, 54, faleceu.

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Chácara onde funcionava clínica de reabilitação, em Brazlândia Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Conforme informou a família à reportagem, que pediu para ter a imagem preservada, João deu entrada em 29 de junho. “No dia 6, eu recebi a notícia de que o meu irmão estava morto. Aparentemente, era uma clínica que não levantava nenhuma suspeita”, conta Carlos Alberto Correia, 56.

Carlos recebeu a indicação de onde buscar auxílio por meio de um conhecido que já havia colocado um parente na unidade. Antes da internação, conheceu o local pessoalmente, mas não desconfiou do que se passava ali. De acordo com a previsão dos “especialistas”, o tratamento de João iria durar seis meses. No período, Carlos teria de desembolsar R$ 1.200, por mês, além da entrada, no valor de R$ 1.000, montante pago à vista, via Pix.

“Apresentaram toda a estrutura, tudo bem-organizado. Eu levei meu irmão vivo e recebi ele morto. Ele não merecia uma morte assim”, lamenta Carlos Alberto.

Aos familiares a clínica alegou que João teria sofrido um infarto. No entanto, segundo Carlos, o irmão não apresentava histórico de doença cardiológica. Somente com o laudo cadavérico vieram à tona os indícios de irregularidade.

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Doses superiores à prescrição

No corpo de João, foram encontrados diferentes medicamentos de uso controlado. À polícia testemunhas afirmaram que a vítima, em pelo menos duas ocasiões, recebeu dosagens cinco vezes superiores: o médico teria prescrito oito gotas de Rivotril, à noite, e teriam sido colocadas 40 em compostos chamados de “danoninho”.

A conclusão do exame laboratorial revelou a presença de benzodiazepínicos e neozine no organismo do paciente, ambos usados para sedação em transtornos de ansiedade. “A morte ocorreu por edema e hemorragia pulmonares de causa compatível com intoxicação por substâncias comumente utilizadas no tratamento de dependência química”, apontou o laudo.

Interdição judicial e prisão

Com o avançar da investigação, a polícia pediu a suspensão temporária da clínica, que contava com cerca de 50 internados. A solicitação acabou deferida pela Vara Cível de Brazlândia, em janeiro. Entretanto, os investigadores identificaram o descumprimento da decisão judicial. Na ocasião, os pacientes foram levados para clínicas parceiras do casal, que atuam de modo semelhante ao do estabelecimento investigado, no Entorno do Distrito Federal. “Em situações piores e sem fiscalização semelhante”, flagrou a PCDF.

Diante do fato, a 18ª DP pediu a prisão temporária de Wendel e Adriana, além de busca e apreensão. A Justiça, novamente, atendeu ao pedido da PCDF, sendo cumprido os mandados na madrugada da última segunda-feira (6/2), no âmbito da Operação Loki. Na residência do casal, foram encontrados medicações sem as devidas receitas médicas, receituários em branco e uma arma de fogo falsa.

No momento da abordagem, Wendel e Adriana sustentaram que os medicamentos psicotrópicos possuem receitas e pertenciam a pacientes recém-transferidos, mas não souberam explicar como substâncias ilícitas idênticas às apreendidas foram encontradas no corpo de João Bosco sem prescrição médica.

A reportagem apurou que testemunhas ouvidas no decorrer da investigação confirmaram que Wendel e Adriana utilizavam tais medicamentos de modo indiscriminado, sem prescrição médica. A clínica ainda é suspeita de promover torturas física e psicológica. Mesmo com todos os itens apreendidos, a 3ª Vara de Entorpecentes do DF colocou o casal em liberdade provisória, após audiência de custódia realizada na quarta-feira (8/2).

Cooperação dos funcionários

A reportagem conversou com vizinhos do endereço onde funcionava a clínica. Os moradores informaram ter presenciado, em diversas ocasiões, pacientes sendo “humilhados” pelos funcionários e tentando fugir da clínica.

“Houve duas ocasiões em que vi pacientes pulando a cerca e passando por dentro da minha chácara, numa tentativa de fugir. Eles eram humilhados constantemente. Os funcionários falavam: ‘Sua família não te quer mais. Você está aqui porque eles não te amam’. Já cheguei a falar que não precisava desse tratamento”, revela Débora*.

Ainda segundo a investigação, a conduta era tolerada e incentivada por Wendel e Adriana. “Inserida na cultura trabalhista dos colaboradores formais e informais da empresa investigada.” Tais funcionários seriam ex-pacientes considerados “recuperados”.

Outro lado

O Metrópoles conseguiu contato com a defesa dos investigados. No entanto, o advogado informou que, por conta do processo correr em segredo de Justiça, não pode prestar nenhuma informação.

*nome fictício, a pedido da entrevistada.

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